Ruca entra de uma forma imponente na secretaria da Casa dos Animais de Lisboa (CAL). O cão arraçado de Cane Corso tem uma trela curta, acaba de voltar de um dos primeiros passeios do dia e vai em direção a uma das salas do espaço localizado no Parque Florestal de Monsanto, em Lisboa. Atrás dele, fecha-se uma porta onde é possível ver um pequeno cartaz com a fotografia do gigante e um aviso: “Bater sempre à porta antes de entrar. O Ruca não gosta de estranhos”.
“Ele é super territorial”, começa por contar à PiT Sofia Baptista, a Chefe de Divisão e médica veterinária da CAL. Aos oito anos, o patudo é um dos residentes de quatro patas oficial do espaço criado em 2013. Chegou quando tinha pouco mais de dois meses e é um exemplo dos muitos casos de maus-tratos que a organização recebe diariamente.
“O Ruca pertencia a um rapaz que resolveu segurá-lo para fora da janela e dizer que se atingisse um X número de likes, o atirava”, recorda. “Ele foi retirado e veio para nós.” Na altura, os funcionários pensaram que o pequenote era um mix de Labrador, mas a medida que crescia na CAL, à espera da decisão do Ministério Público (MP) sobre o caso de maus-tratos que o envolvia, logo perceberam que pelas características que adquiriu, foi concluído que era um arraçado de Cane Corso.
Ao fim de dois anos, quando o MP finalizou o caso do gigante, Ruca já era muito territorial e a CAL decidiu não o colocar para adoção. Hoje, é um dos “funcionários de quatro patas,” como são chamados os animais que foram acolhidos pela organização — todos resgatados de situações extremas e com as suas particularidades únicas.
Risa, por exemplo, chegou como uma cadela de matilha e desenvolveu a capacidade de abrir todas as portas que via pela frente. Lis, da mesma matilha, é hoje uma das principais profissionais da CAL. Porquê? É a responsável por ajudar a recuperar e a socializar os cães mais ansiosos e nervosos que ali chegam.
Caramelo, por sua vez, é o que dá as boas-vindas a todos os que lá vão. O cão tripé, que tem uma cama logo na entrada, chegou como uma vítima de atropelamento e teve um pós operatório “muito complicado”, segundo aponta Marta Videira, a Responsável Técnica e também médica veterinária da CAL. “Tivemos de fazer muito controlo de dor e acabou por ficar connosco”, afirma.
Assim como o cão, Negreto chegou numa situação semelhante. Também tripé, foi atropelado pelo próprio dono e acabou por perder uma das patas. É hoje o cão de guarda da CAL e à noite, quando fica solto para percorrer os arredores, não deixa nenhum estranho se aproximar do local e dos outros animais. “Houve uma altura em que ele e o Caramelo andavam juntos, um não tinha a perna do lado direito e o outro não tinha a esquerda. Andavam lado a lado”, recorda, entre risos, Elizabete Andrade, a Coordenadora do Voluntariado e Promoção da Adoção.
Cuida de uma colónia com cerca de 90 gatos
Desde que foi fundada, em 2013, a Casa dos Animais de Lisboa abrange um leque vasto de serviços, que vão desde a captura de animais errantes, passando pelos seus tratamentos e recuperação, até ao processo de adoção. Além disso, tem um trabalho muito próximo com as cuidadores de colónias de gatos identificadas em Lisboa. É através delas que consegue colocar em prática o programa Capturar-Esterilizar-Devolver (CED).
“Aqueles que não têm potencial de adoção são recolocados nos locais das colónias. É a grande maioria”, explica Sofia Baptista. A CAL também atua ao lado das cuidadoras que sinalizam qualquer problema de saúde que os felinos possam apresentar ou simplesmente a chegada de um novo gato que pode não estar esterilizado. Neste caso, as próprias levam-nos até à organização ou pedem ajuda para a sua captura e posterior tratamento.
Também a CAL é o lar de uma colónia que abriga cerca de 90 gatos. Ali, têm direito a abrigo, brinquedos, arranhadores, mantas, alimentação e tudo o que precisam para estarem bem. Alguns andam livremente, outros ficam abrigados num espaço amplo, ou porque apresentam patologias especiais ou porque não se dão bem com outros animais.
A médica veterinária partilha que o foco do espaço é tratar dos animais de ninguém e é por isso que não atende cães e gatos que têm detentores. A única exceção é durante o processo de adaptação de um animal adotado na CAL, que pode ser ajudado pela instituição durante as semanas que seguem a adoção.
“Após as adoções, durante três ou quatro semanas as pessoas podem recorrer a nós através de consultas, quer para os ajustes necessários durante a adaptação, quer de alguma doença que podem desenvolver e que possa ter a ver com algum período de incubação de ter saído daqui”, avança Sofia. Uma transição de ração, uma conjuntivite ou simplesmente a presença de sintomas que possam ter a ver com a ansiedade de separação são alguns exemplos.
Muitos animais têm sorte, outros nem tantos
A CAL é atualmente a casa de mais de 200 animais, entre cães e gatos. Vários continuam à espera de um final feliz e em muitos casos, acabam por não ter a oportunidade de conhecer uma família. As responsáveis pela CAL contam à PiT que apesar da organização ter uma taxa de adoção “excecional“, são muitos os que ficam para trás.
“Se num ano tivermos 800 animais com potencial de adoção e cinco por cento não forem adotados, são 40 que ficam cá. No ano seguinte, ficam mais 40 e assim por diante”, explica Elizabete Andrade. A responsável pelo voluntariado partilha que para ajudar todos os animais que por ali passam ou que por ali ficam, conta com o apoio de dezenas de voluntários e programas com universidades. Atualmente, tem dois ativos: um com a Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa e outro com a plataforma Erasmus Student Network.
Os voluntários estão também habituados a passear todos os cães do espaço. Para terem este controlo, trabalham com um mapa onde colocam a identificação de todos os seus animais. Cada vez que um dos patudos é passeado, deve ser anotado no papel.
“Se por acaso houver algum que não tenha sido passeado, ou por estar em tratamento ou por outro acontecimento qualquer, os voluntários que vêm no dia seguinte têm de tentar logo passear estes animais”, sublinha. “Neste momento, temos 92 pessoas em termos de voluntários regulares, que vêm aos dias de semana, fins de semana e que participam dos programas ativos.”
Por norma, todos os animais errantes que chegam à Casa dos Animais de Lisboa ficam em quarentena durante 15 dias. Nesse período, aqueles que não têm microchip devem ser reclamados pelos responsáveis. Caso isso não aconteça, ao fim de duas semanas são colocados para adoção. Marta Videira frisa à PiT que recebe um número significativo de cães abandonados muitas vezes por pessoas em condições de sem-abrigo e vários outros provenientes de situações de acumuladores.
A responsável técnica partilha que a Centro de Recolha Oficial tem vários animais em observação ou em tratamento, sobretudo gatinhos. Em breve, estes deverão ser colocados para adoção. É precisamente por isso que Sofia Baptista deixa um apelo: “Ao adotar, está a dar uma melhor qualidade de vida ao animal que adota e ao que podemos ir resgatar para ficar no seu lugar.”
Para conhecer os animais da CAL à procura de um lar, basta agendar uma visita através do e-mail (casa.dos.animais@nullcm-lisboa.pt) ou telefone (218 172 300). Poderá ver alguns deles também na Lisboa PiT Party, a festa da família e do bem-estar animal que chega a Belém nos dias 27 e 28 de outubro. No domingo, às 15 horas, no Jardim Vasco da Gama, haverá a Dog Models, um desfile de alguns dos patudos da CAL que estão para adotar e que serão apresentados por Rita Marrafa de Carvalho e José Carlos Malato, padrinhos da iniciativa.
De seguida, carregue na galeria para saber mais sobre o trabalho da Casa dos Animais de Lisboa.