Numa altura em que as histórias de crueldade contra animais continuam a chocar o País, as notícias podem ser boas para a causa animal. O Tribunal Constitucional prepara-se para manter de pé a lei de 2014 que criminaliza os maus-tratos a animais de companhia e que nos últimos oito anos foi alvo de declarações de inconstitucionalidade mais de uma dezena de vezes, estando mesmo perto de ser considerada definitivamente inconstitucional e ser, por isso, abolida.
Agora, segundo partilhou o jornal “Público”, os juízes podem estar perto de mudar de ideias. O tema já havia sido debatido em várias secções do Tribunal e, recentemente, foi apreciado em plenário por todos os conselheiros depois de um pedido feito pelo Ministério Público. O conselheiro Teles Pereira, que considerava que a lei está em conformidade com a Constituição, foi escolhido como relator do futuro acórdão pela grande maioria.
O conselheiro, juntamente com quatro colegas da primeira secção do Constitucional, foi chamado a apreciar o caso de um cão bebé vítima de maus-tratos pela então dona, em 2020, em Braga. Em vésperas do Natal passado deixou escrita uma declaração de voto à qual se associou a José João Abrantes, que se tornou Presidente do Tribunal Constitucional em abril de 2023.
Em 2020, o juiz responsável pelo processo em questão recusou-se a fazer o julgamento da tutora que manteve o seu cão de seis meses preso a uma corrente de 63 centímetros, o que acabou por criar uma ferida que absorveu o objeto. Como justificação para não realizar o julgamento, declarou a inconstitucionalidade da lei dos maus-tratos, arquivou o processo e mandou que o animal fosse devolvido. Contudo, o patudo, alegadamente, já havia encontrado um outro lar.
Quando chegou ao Constitucional, o processo tinha como relator Teles Pereira. Este, porém, foi logo substituído por outra conselheira, Benedita Urbano, depois de o seu projeto de acórdão a defender a conformidade da lei não ter agradado aos colegas. Já Benedita partilhava das mesmas dúvidas sobre as normas legais em vigor desde 2014.
Algumas das questões incluíam: “Todos os animais podem ser de companhia ou apenas aqueles capazes de demonstrar afeição em relação aos seres humanos? Ou só os que usualmente e tradicionalmente são animais domésticos? Podem formigas num terrário ser consideradas animais de companhia? Será legítimo alterar a voz dos cães de companhia para assegurar a tranquilidade e o bem-estar emocional e físico dos vizinhos?”.
Por outro lado, Teles Pereira argumentou, no seu voto de vencido, que a lei não apresentava conceitos indefinidos. Em casos como o do terrário, por exemplo, o Sistema de Informação dos Animais de Companhia constitui um instrumento útil para determinar que espécies é possível proteger da crueldade.
Agora, o projeto de acórdão do conselheiro, segundo o “Público”, não deverá correr o risco de ser novamente chumbado pela maioria dos colegas. O que também pode ter contribuído para a conclusão é a substituição de três conselheiros que defendiam a inconstitucionalidade da lei e cujos mandatos entretanto chegaram ao fim.
Teles Pereira e o futuro presidente do Constitucional argumentam que é preciso interpretar o artigo 66.º da Constituição, em que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
“Na verdade, o que se reconhece na Constituição é que os elementos do mundo natural – aí incluídos os animais – são não só objeto de deveres de proteção do Estado, como também de deveres de proteção de todos os cidadãos”, lê-se na declaração de voto inscrita no acórdão sobre o caso de Braga, citado pelo jornal português.
A causa animal foi várias vezes à rua
Em janeiro, o grupo de Intervenção e Resgate Animal (IRA) organizou a maior manifestação de sempre pelos animais em Lisboa, contra a potencial declaração de inconstitucionalidade da lei aprovada na Assembleia da República em 2014 e aprimorada em 2020. Tomás Pires, presidente da organização, disse à PiT na altura que cerca de 70 mil portugueses foram às ruas. Contudo, a PSP partilhou que o número não ultrapassou os 10 mil.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu a 21 de janeiro, no dia da manifestação, que o bem-estar animal deveria ser “devidamente legislado”, recordando que o parlamento o poderia fazer “em sede de legislação ordinária” ou através do processo de revisão constitucional que estava em curso na altura.
Antes da manifestação, uma petição em defesa da lei que criminaliza os maus-tratos havia sido criada após o arquivamento do processo-crime relativo ao chamado “Incêndio da Agrela”, que deixou deixou mais de 70 cães e gatos mortos em 2020. O documento chegou a ser discutido no parlamento, com o apoio do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), e atualmente, conta com mais de 93 mil assinaturas.
Carregue na galeria para recordar a manifestação do IRA a 21 de janeiro.