Animais

Diana: abandonada depois de velhinha, encontrou uma família que não desiste de si

A cadela foi posta na rua pela família do tutor que morreu. Depois de resgatada e já com pelos brancos, foi adotada.
Diana teve uma segunda oportunidade.

Estava eu no início desta missão que abracei de ajudar os animais, quando a vida mudou para ela. Enquanto eu estava no início desta aventura, recebendo animais na minha casa para fotografar e descobrindo, aos poucos, um mundo que desconhecia por completo, ela terminava a sua missão mesmo sem saber. Chegara ao final o seu propósito de vida e tudo mudaria. Foi assim que os nossos caminhos se cruzaram: o meu e o da Diana.

Enquanto eu dava um novo propósito à minha vida e à minha casa, ela perdia a sua. A Diana dedicara a sua vida toda ao seu tutor que partiu, deixando-a à mercê da família. As dúvidas que tiveram em relação a ela não foram muitas, pois rapidamente abriram a porta de casa e a colocaram na rua sem pingo de piedade.

Quando foi resgatada, pouco se sabia dela. O pelo sujo, os olhos tristes, e no peito um coração partido aos bocados. A Diana que fora antes, e que desconhecemos, deu lugar a uma cadela medrosa e reativa que gritava como se o mundo fosse acabar. O seu temperamento ficara como a sua vida: instável. Poderia estar calma como poderia rebentar em surtos de gritos em que apenas procurava distância de tudo e de todos.

Quando a conheci, fiquei preocupado porque não sabia como haveria alguma família que a quisesse adotar entre beijos e mordidelas. Quando terminámos a sessão fotográfica, fiquei com ela no pensamento. Toda aquela história me invadira o pensamento como se fosse um quebra-cabeças que queria resolver sem saber sequer por onde começar. Lancei as suas fotografias na Internet e decorei-as com um texto que construí com carinho, de forma a que quem as visse não se assustasse e deixasse levar apenas pela pena da cadelinha posta na rua. Preferi acompanhá-las com uma carta que a Diana “escrevera” mostrando a cadelinha que ainda existia debaixo daquele corpo cheio de mágoa.

O resultado chegara mais depressa do que qualquer pessoa poderia antecipar: surgiu uma família que resolveu dar-lhe uma oportunidade. No seu caminho surgiu Dorine, que lhe quis dar uma oportunidade. O coração de Dorine estava igualmente magoado pois perdera um dos seus melhores amigos e queria que o seu outro patudo tivesse companhia. A ligação entre eles foi imediata e a Diana ganhou um novo lar.

O caminho não ficou livre de pedras, pois os surtos e gritos continuaram durante muito tempo. O temperamento instável e o medo continuaram a guiar Diana no seu caminho, mas a compreensão daquela família fizeram com que se sentisse aceite e parte de uma família. Alguns anos mais tarde a tragédia abateu-se no Algarve e um incêndio lavrou milhares de hectares, levando consigo animais, floresta e algumas casas.

A casa da família de Diana foi uma delas. Mais uma vez viu-se sem casa, mas desta vez apenas foram os tijolos, telhas, madeira, ferro e pregos. A verdadeira casa continuou bem firme nos seus alicerces: ninguém ficou para trás e todos sobreviveram. Com a ajuda da população conseguiram reconstruir a sua vida e vencer mais um desafio. Fui acompanhando a sua vida pelas fotos que pedia, os vídeos que me eram oferecidos e as notícias que eram sempre cheias de esperança e alegria.

Há duas semanas, resolvi fotografar novamente a minha menina e vi que essa fase de rebeldia ficara para trás. Os olhinhos começaram a descansar e passaram a sua missão para o nariz. O corpo começou a movimentar-se mais devagar e as suas memórias começaram a ser mais seletivas. Os princípios de demência apagaram da sua mente os últimos anos e apenas conservaram as memórias mais antigas, quase como se se formatasse o disco rígido e se começasse de novo. Tudo para ela era novo. Estava mais velhinha e mais calma. Explorava tudo com mais cautela mas algo que nunca esqueça fora o cheiro e toque da sua família.

O pelo fora inundado de um branco quase platinado. Os olhos refletem quase o nosso rosto de espelhados que estão. A mente leva-a a viajar por sítios que nunca saberemos. Ela continua linda.

Pelo caminho teve alguns dissabores de saúde que quase a fizeram partir, mas continuou a lutar para continuar a viver esta vida que tanto gosta. “Enquanto ela quiser viver terá tudo o que lhe puder dar de bom” disse-me a Dorine.

A Diana não sabe mas conto a história dela muitas vezes porque os velhinhos fazem parte de um nicho que todos evitam. Ninguém gosta de envelhecer e cuidar de animais idosos não é para qualquer pessoa. Sabem o que acho? Ainda bem que não são. Adotar um animal sénior é receber em casa um livro cheio de histórias de vida, mas é também um tesouro único: dão-nos um sentimento de gratidão tão grande e são tão agradecidos que apenas quem merece deverá ter essa benção na sua vida. Mesmo quando o corpo já os tenta deitar abaixo eles esquecem as dores para levantarem o rosto e nos dar um carinho porque, embora o seu caminho já tenha sido percorrido quase na totalidade, o amor que sentem por vezes dá-lhes mais vida e energia do que muitos de nós alguma vez sentiremos em todos os anos que caminharemos neste mundo. Que todas as Dianas encontrem as suas Dorines e que a humanidade entenda como é importante valorizar a vida seja ela no início ou no final porque no final do caminho é apenas isso que levaremos: Amor.

Carregue na galeria para ver algumas fotografias de Diana.

AMIGOS PARA SEMPRE by Carlos Filipe é uma rubrica quinzenal da PiT, em que o fotógrafo Carlos Filipe, amante da causa animal, partilha com os nossos leitores o que viveu com os cães que fotografou e com quem privou. “Cães imperfeitos”, esquecidos pelo tempo e desprezados por quem quer adotar, por serem velhos ou doentes e exigirem cuidados.

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