Animais

Este fotógrafo transforma os animais abandonados (e não só) em duques, reis e rainhas

João Carlos dedica-se há quase 30 anos à fotografia. Tem uma nova exposição gratuita em Almada e é possível comprar as obras.
João e o cão de uma amiga.

Bolas de ténis cortadas ao meio. Foram estes o presente que muitos dos animais fotografados este ano por João Carlos levaram para “casa”. O fotógrafo está habituado a cortar os objetos e colocá-los na base do tripé para não causar riscos e possíveis estragos ao sítios onde acontecem as sessões, o que nunca imaginou era que sairia de muitos deles com metade do “material”. 

“Os animais adoraram as bolas”, começa por contar à PiT João Carlos, de 47 anos. “Não foram todos, mas, se calhar uns sete deles levaram-nas  para casa, como compensação do trabalho árduo”, acrescenta, entre risos.

O mais recente trabalho relacionado com os animais é o Renessance Paws, uma série em que transformou alguns dos animais que fotografou ao longo dos anos (entre cães, gatos, cavalos, galinhas e coelhos) em figuras da realeza. Mas não umas quaisquer. O fotógrafo, como o próprio nome da iniciativa indica, baseia-se em quadros do Renascimento e edita tudo à mão, sem a utilização de inteligência artificial. 

“Nós já vestimos os animais e já há muita gente, felizmente, que os trata como se fossem pessoas. Portanto, achei que uma forma de valorizarmos os animais dos abrigos era torná-los em reis, rainhas, princesas, duques e por aí fora”, defende. Para a nova exposição, editou 49 imagens. A grande maioria dos animais protagonistas (39) fazem parte das sessões realizadas pelo artista nos últimos anos. Quanto aos outros dez, foram fotografados em fevereiro.

“Algumas imagens já foram vistas anteriormente, outras foram apresentadas na inauguração da exposição”, explica. “Fizemos um acordo com o Canil da Almada e com o provedor dos animais. Foram espectaculares”, conta, acrescentando que fotografou os novos dez animais (oito cães, um gato e uma galinha) no próprio espaço da exposição, o Solar dos Zagallos, um palacete do século XVIII situado em Almada.

Todas as fotografias são impressas em tela, de forma a dar um “acabamento de pintura”. Depois, João vai à procura de quadros renascentistas para serem a base da imagem. “Muita gente pensa que é feito com inteligência artificial, mas eu já faço a série há quase cinco anos e não existia IA como nós a conhecemos hoje em dia”, frisa.

Para as imagens base, costuma descarregá-las diretamente dos sites dos museus, que disponibilizam as obras no digital. “Algumas são Rembrandts e Johannes Vermeer. Alguns dos quadros são até bastante conhecidos e depois, vamos alterando, mudando e trocando os elementos”, explica. “Quando fotografo os animais, já tenho uma base em mente. Por exemplo, se o animal é preto, vou buscar uma figura que os tons são mais adequados para aquele quadro e vou tentar fazer uma luz que seja mais parecida para funcionar melhor e parecer o mais real possível.”

Estará em exibição até 26 de abril.

João é filho de pais portugueses, mas nasceu em Nova Iorque, nos EUA. Na adolescência e no início da idade adulta esteve entre os dois países, até se instalar definitivamente em Portugal há cerca dez anos. Desde que começou a trabalhar exclusivamente com a fotografia, há quase três décadas, dedicou-se maioritariamente à moda, à área de publicidade e ao retrato. Foi só durante a pandemia que os animais integraram oficialmente o seu portfólio. 

“Nesta altura, tive mais tempo  para ver o meu trabalho e organizar o meu site”, recorda. “Reparei que tinha muita fotografia de animais, mas que dentro do meu site não se enquadrava. E então, diz uma primeira sessão fotográfica de um cão de uma amiga minha, um Bulldog Francês, e coloquei-o num fato de astronauta. Sou um apaixonado por tudo o que é sci-fi, e então criei a marca Star Paws, que é um bocadinho a cópia do Star Wars, mas com animais.”

Depois de ver o resultado da sessão, o fotógrafo decidiu criar um projeto só focado nos patudos. E desde então, passou a dedicar parte do tempo a fotografá-los. Há cerca de três anos, recebeu o convite de uma associação — a Bianca, em Sesimbra — para retratar os animais para adoção. E não pensou duas vezes antes de aceitar. 

“Eles têm muitos animais. Infelizmente, são uns 400 cães e 200 gatos, e têm custos muito elevados”, partilha. Na altura, fotografou os animais para a criação de um calendário solidário. Mas com o tempo, viu que tinha dezenas de fotografias de cães e gatos para adoção e decidiu transformá-los em reis, rainhas, duques e duquesas. 

Muitos desses animais fazem parte da série Rennesance Paws e mesmo depois de tanto tempo, não encontraram um lar. O objetivo do fotógrafo, através da exposição, é também ajudá-los a chamar a atenção de novas famílias. 

“Um coisa é eu fotografar os animais de alguém que me contrata e outra é fotografar os animais dos abrigos. Infelizmente, são animais fragilizados, com temperamentos especiais e é preciso ter muito cuidado. Eles são muito parecidos com as pessoas, isto é, conseguimos convencê-los de várias formas diferentes.”

Um dos animais da Bianca.

Para conseguir deixá-los confortáveis durante a sessão fotográfica, João tem sempre petiscos e brinquedos disponíveis. “Tento fazer sons para lhes chamar a atenção e, às vezes, vou buscar alguns que guardo num banco de som ou ao YouTube”, explica.  “É giro quando os cães levantam as orelhas de uma certa forma ou inclinam a cabeça porque mostram outro tipo de expressão.”

Todos os quadros que integram a série Rennesance Paws estão também à venda. Têm todos molduras provenientes de diferentes locais e séculos. Algumas chegam a ter mais de cem anos e foram compradas em feiras de antiguidade ou até mesmo oferecidas ao projeto. Os valores variam entre os 350€ e 950€.

“Uma parte da verba das vendas vai ser também utilizada para comprar reação para o canil”, aponta. “Eles, infelizmente, não podem receber doações em dinheiro, o que é uma pena, mas podem receber bens e por isso, esta é a ideia.”

João acrescenta que muitas imagens já chegaram a ser premiadas em alguns concursos nacionais e internacionais, como a versão portuguesa do Pet Photographer of the Year, o Tokyo International Foto Awards, do Japão, e o PX3, de França.A aplicação de arte ArtUp também comprou uma das obras para a coleção pessoal. 

Atualmente, o artista não tem um animal de companhia, mas já chegou a ter uma melhor amiga. Milka foi a “primeira modelo” de João no mundo animal e foi adotada aos três meses.  “Ela já morreu há muitos anos, mas ainda estou um bocadinho em luto”, confessa. “É um compromisso grande ter um animal e acho que há muita gente que não percebe isso.”

A exposição Rennesance Paws tem a entrada livre e poderá ser visitada até 26 de abril no Solar dos Zagallos, em Almada. Está aberta de terça a sexta-feira, das 10 às 13 horas e das 14 às 18. 

Caso queira agendar uma sessão com o fotógrafo, os valores variam entre os 120€ e 350€. Podem ser consultados online

De seguida, carregue na galeria para ver algumas imagens que integram o projeto.

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