De tempos em tempos, a nossa vida é invadida pelo terrível flagelo dos incêndios. As suas chamas devoram tudo o que encontram e não distinguem vidas. Tudo o que encontram é devorado sem piedade. Muitas vidas foram ceifadas por eles e muitas salvas pela coragem e bondade de muitos. Tive, ao longo do meu percurso, a sorte de poder conhecer sobreviventes destas catástrofes e poder testemunhar a sua força de viver depois de quase serem devorados pelo fogo.
Os que sobrevivem ficam com marcas. Outros ficam com marcas por fugirem deles, acabando por sucumbir a tragédias que resultaram desses incêndios. Conseguem fugir mas acabam por ser apanhados nas fugas descontroladas de quem procura segurança e não olha a meios para se salvar. A Faia foi uma delas.
Os incêndios chegaram à Serra da Covilhã e destruíram tudo o que encontraram. O horror que se viveu marcou vidas como se queimaduras se tratasse. Ao fugir deles, a Faia, uma cachorra de cinco meses, acabou por ser atropelada e deixada à sua sorte.
Conseguiu arrastar-se para o separador central da estrada, onde se resguardou nos arbustos.Quando foi encontrada pensavam que estava morta, não fosse o brilho ténue que ainda residia nos seus olhos. O seu corpo apenas continha dor e desespero. Não tinha chip, identificação ou réstias de esperança. Foi recebida na Clínica Veterinária da Covilhã onde foi operada às duas patas do lado direito, lado onde foi atingida. No registo da clínica chamaram-lhe Variante.
Ambas as patas levaram placas para reforçar os ossos danificados e foi internada durante muitos dias. Ficou a cargo da associação Instinto da Covilhã, que ficou responsável pelo pagamento de todas as despesas. Ganhou um novo nome que vinha de mãos dadas com a sua força de viver: Girafinha.
Chegou a ter uma família interessada em adotá- la, mas os desenvolvimentos que se esperavam não apareceram e teve de ser amputada. As esperanças de adopção caíram por terra. Chegou o dia em que recebeu alta. Com o crescimento da sua recuperação aumentavam igualmente as despesas e a Instinto procurou uma Família de Acolhimento Temporário que pudesse acolhê-la em repouso absoluto.
Assim que começou a recuperar e a ganhar algum peso, começaram a procurar quem a adotasse. No seu caminho apareceu uma família que soube da sua história e começou a acompanhar a sua recuperação. Com as semanas, vieram as dúvidas se alguma vez apareceria alguma família que quisesse acolher uma menina de três patas com força de viver e a precisar de encontrar o seu porto de abrigo.
Os quilómetros que os separavam não foram impedimento para que a visitassem e soubessem que ela voltaria com eles para casa. Com esse recomeço fazia sentido, para eles, dar-lhe um novo nome que homenageasse a sua força e a Serra que fora a sua casa antes do acidente. A homenagem à Serra da Estrela, a beleza da região e a homenagem às Faias que arderam nesses incêndios de agosto deram-lhe esse nome: Faia.
Nos primeiros dias surgiram os sinais de trauma que ficaram do seu acidente porque tremia com medo de camiões do lixo, autocarros e até ao comboio. A forma como era olhada por muitas pessoas na rua, nos seus passeios, as questões que faziam, as dúvidas que tinham sobre um cão diferente levaram a sua família a criar um Instagram onde pudessem partilhar a vida desta menina diferente e perfeita, de forma a desmistificar a ideia de que “coitadinha, não tem uma pata”.
Quando conheci a Faia não sabia de muitos detalhes da sua história. Apenas pude ver o seu olhar pleno de vida e a forma como me mostrava como era fácil fazer uma “vida normal” com apenas três patas. Ao seu lado tinha uma família que brilhava de orgulho dela e tudo faziam para lhe dar a melhor vida possível.
Sempre que vejo as notícias dos terríveis incêndios, penso logo nela, nas Faias que tudo fazem para fugir do fogo… a lutar pela vida sem nunca desistir. O seu tronco é forte, as suas folhas renascem das cinzas e voltam a ter brilho no olhar porque depois de uma tempestade vem a bonança.
De seguida, carregue na galeria para saber mais sobre a vida de Faia.
AMIGOS PARA SEMPRE by Carlos Filipe é uma rubrica quinzenal da PiT, em que o fotógrafo Carlos Filipe, amante da causa animal, partilha com os nossos leitores o que viveu com os cães que fotografou e com quem privou. “Cães imperfeitos”, esquecidos pelo tempo e desprezados por quem quer adotar, por serem velhos ou doentes e exigirem cuidados.