Animais

Herói: o cão salvo no limite em Albufeira que resistiu a todas as amarguras da vida

Foi reabilitado e adotado. Conheceu a felicidade de ter um lar, antes de partir vítima de uma ataque cardíaco pouco tempo depois.
Ainda vive nos corações daqueles que conheceu.

Não vejo televisão. Não acompanho reality shows. Não vejo novelas. Quando chego a casa fecho-me ao mundo exterior no meu universo. Pequenino mas gigante. Abraço o meu cão e conto-lhe como é dura a vida lá fora e quão sortudo ele é. Contei muitas vezes ao Boris a história de Herói. Pensando bem foi, quase como acompanhar um reality show em que cada episódio nos deixa ansiosos, aguardando o que virá a seguir.

A história dele foi assim. As ruas de Albufeira foram a sua “casa” por tempo indeterminado e foi nelas que sofreu tudo o que tinha gravado no seu corpo quando o encontraram. Durante muitos dias acompanhei, pelas redes sociais, as tentativas frustradas de voluntários da Associação Pata Ativa para o tentar apanhar. Todos os dias com o sol vinha a esperança de o poder resgatar, mas com o final de cada dia vinha a frustração de saber que não tinham conseguido e seria mais uma noite que aquele ser iria passar ao frio.

O corpo já não o poderia aquecer porque pouco lhe restava de pelo, de pele, de esperança. Na manhã seguinte, todos se encontravam para mais uma tentativa com a esperança de o encontrar, mas com o medo de poder ter sido o seu último dia neste mundo. No seu corpo vivia sarna, febre da carraça, anemia, leishmaniose e um coração partido e desiludido com o mundo.

A cada episódio diário ficava ansioso para saber se tinha sido naquele dia que o tinham conseguido convencer de que não lhe queriam fazer mal. Apenas o queriam ajudar, mas quando o coração está magoado torna-se difícil encontrar confiança seja em quem for.

Enquanto muitos celebram as expulsões de concorrentes de reality shows que não conhecem e se deslumbram com famas efémeras, eu e o Boris celebrámos quando finalmente conseguiram apanhar o Herói. Terminava ali a primeira temporada de uma série que não fazia ideia que me iria marcar tanto.

Na segunda temporada começaram a desvendar-nos a trama que escondia aquele pequeno ser magoado por fora e por dentro. Iniciaram uma longa caminhada de medicação, banhos diários, injeções e os primeiros contactos com aquilo que lhe era desconhecido: dormir numa cama quente, receber abraços confortantes, beijos que faziam cócegas e um nome que nada tinha a ver com os que, nos anos que passou a deteriorar-se nas ruas, muitos lhes deram. Herói.

Com as melhorias vieram os passeios, as viagens, os amigos… conheceu pela primeira vez o que era viver. De braço dado com a voluntária Raquel, que tudo fez para lhe dar a melhor vida dos “entretantos”, enquanto buscava sem parar, com a ajuda da Associação, a família que ele tanto merecia.

Fomos acompanhando a sua jornada pelos eventos onde todos o queriam conhecer, afagar, beijar e admirar, mas nunca ninguém o quis chamar de seu. Os meses foram passando e veio visitar-nos ao estúdio. Se não tivéssemos acompanhado a sua jornada, nunca diria que ele era o cão que vimos quase sem pelo, que chorava, que parecia ter perdido a esperança de viver.

As fotos que lhe fizemos inundaram as redes sociais e, sem que ele soubesse, usei a sua foto do antes e depois nas visitas que fazemos às escolas e roubámos muitos “ahhhhh”, “oohhhhh”, “é o mesmo cão? E “não poder ser!” aos miúdos, quando lhes mostrámos a sua fantástica evolução. Ele não sabia que se tinha tornado num exemplo de superação, de admiração porque apenas queria beber tudo o que a vida lhe dava.

Foi a temporada mais bonita desta série. Aquela que revimos, que chorámos a ver e que contámos aos amigos.

A terceira temporada trouxe-lhe o final que todos ansiavam. Surgiu na sua vida a família que o acolheu. Os corações de todos os que o conheciam quase explodiram de alegria e as mensagens nas redes sociais atropelavam-se umas às outras, como se quisessem que ele as recebesse todas. Ganhou uma família, uma quinta, amigos, um lar…

Sabíamos que estávamos perante a temporada final de uma série que todos acompanhámos e que víamos os seus episódios a terminar, deixando-nos um conforto no peito. Sabíamos que não seria a última que iríamos ver porque, infelizmente, elas replicam-se por todo o lado. Esta seguiu o seu curso… mas existem sempre dois lados da mesma história. Para quem segue séries e filmes, sabe que muitos escondem finais alternativos, cenas cortadas e momentos que não chegam à tela final.

Esta série teve dois finais. O primeiro foi o mais bonito: o “nosso” Herói encontrou a sua família e foi maravilhoso ver os seus vídeos a explorar a quinta, a viver entre animais, a ser feliz.

O final alternativo, tão cru como inesperado, foi a rasteira que o seu coração, que tanto o ajudara a resistir a todas as amarguras da vida, lhe pregou. O Herói partiu vítima de um ataque cardíaco.

Sinto-me triste porque gostaria que ele tivesse vivido mais. Merecia ter tido mais tempo. Merecia ter sido ainda mais feliz…

Chorámos muito quando soubemos da sua partida e ainda hoje, quando falo dele, omito essa parte porque quero que ele seja sempre visto como o seu nome indica: um Herói.

Continuo a mostrar as suas fotos, continuo a ver as voluntárias a falar sobre ele onde quer que vão e continuo a ver que o seu nome continua vivo na memória de muitos…

No fundo, o coração dele parou, mas ele continuou a pulsar e a viver nos nossos, porque é isso que a história nos ensina: Os heróis nunca morrem!

De seguida, carregue na galeria para saber mais sobre a vida de Herói.

AMIGOS PARA SEMPRE by Carlos Filipe é uma rubrica quinzenal da PiT, em que o fotógrafo Carlos Filipe, amante da causa animal, partilha com os nossos leitores o que viveu com os cães que fotografou e com quem privou. “Cães imperfeitos”, esquecidos pelo tempo e desprezados por quem quer adotar, por serem velhos ou doentes e exigirem cuidados.

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