Sempre que falo em ti, viajo do céu ao inferno em poucos segundos. Pensei que, ao longo do tempo, essa mistura de sentimentos se fosse atenuando, mas é como uma ferida que insistimos em ir mexer mesmo sabendo que está quase curada e a fazemos sangrar novamente. Isso é o que tu me provocas, Mandela, e só te posso agradecer por isso, porque a vida é mesmo aquilo que representas: o descer ao inferno e o subir ao paraíso.
Se a vida fosse como nos contos de fadas tu serias uma princesa, minha querida Mandela. A vida está longe de ser uma dessas histórias mas tu, sem sombra de dúvida, és uma verdadeira heroína.
Não te vou mentir. Não consigo esquecer a tua história e, como se fosse quase um transtorno, insisto em contá-la a quem da tua imagem se aproxima, porque não podemos tapar o que passaste e levar isso ao esquecimento, mas sim usá-lo como bandeira para que vejam aquilo que tu realmente és. O que és tu, na verdade? Que tens tu de especial? Como pode uma cadelinha pequena como tu fazer correr tanta tinta como fizeste correr lágrimas?
Precisei de tempo para investigar toda a tua história depois de a ouvir enquanto te oferecia um abraço. Num instante estávamos ali juntos, a brincar, com sorrisos e partilhas. E no outro vi-me rodeado de imagens horrendas, avisos intermitentes de “conteúdo explícito”, “conteúdo chocante”, “conteúdo que poder ferir suscetibilidades”. Cliquei para ver tudo e, sem saber, estava a clicar para ver imagens que nunca pensei na minha vida.
Porque raio te fizeram o que fizeram, Mandela? Quando te conheci, caí de joelhos e tive de me conter para te abraçar, pois sei que tens muito medo do contacto humano. Eu também o teria. Aos poucos, fui ganhando a tua confiança e ainda hoje consigo sentir o teu pelo pelos meus dedos enquanto me olhavas.
Oh, Mandela, desculpa! Por mim, pelo maldito ser humano que decidiu ferir-te. Ainda hoje me interrogo que monstro consegue fazer tamanha atrocidade? Procurei saber mais sobre ti e as lágrimas misturam-se com a vergonha que sinto de ser da mesma espécie que o monstro que te desfigurou. Não existem palavras bonitas ou menos chocantes para descrever o que te fizeram, assim como não existem desculpas…
Abrirem-te o crânio com algo que se assemelha a um machado?? Língua cortada? Pata fraturada??? Sei que nem conseguias comer porque a mandíbula também fraturou. Percorreste um longo caminho e mostraste a todos que não irias perder esta batalha. Sei que apaixonaste todos os que se cruzaram no teu caminho e deixaste de boca aberta todos os que testemunharam a tua recuperação.
Meu deus, Mandela, como conseguiste? Como conseguiste encontrar forças? Como conseguiste deixar que te tocassem de novo? Que te oferecessem uma nova família e uma nova oportunidade? Como cabe tamanha força e um coração tão grande nesse corpinho tão pequeno que consegue armazenar toda essa força?
Ensina-me o teu segredo, deixa-me agradecer-te por todos os carinhos que me deixaste fazer-te, por me dares a oportunidade de te acariciar no meu colo enquanto continha as lágrimas. Eu sei que te magoaram.,partiram-te o corpo e fraturam-te o espírito, mas foste tu que desferiste o maior golpe nesse monstro que te tentou matar, ao sobreviver e viver para contar a história.
Não somos todos iguais e no teu caminho apareceram anjos da Plataforma Proanimal /oficial que trataram de ti e uma família que te recebeu com todo o amor… Não existem palavras, frases e expressões que ilustrem o que te quero dizer. É demasiada emoção. Contei a tua história depois de a conhecer e horrorizei quem a ouviu… Apaixonei quem viu as tuas fotos e aqueci o coração a quem partilhei tudo o que superaste. Apenas consigo começar com um simples Porquê??
Obrigado por apareceres na minha vida e pela lição que ensinas por onde passas: que nos podem partir o corpo e rachar a alma mas o coração encontrará sempre forças para nos fazer caminhar e continuar a viver. Obrigado, Mandela.
A seguir, percorra a galeria para ver a transformação de Mandela.
AMIGOS PARA SEMPRE by Carlos Filipe é uma rubrica quinzenal da PiT, em que o fotógrafo Carlos Filipe, amante da causa animal, partilha com os nossos leitores o que viveu com os cães que fotografou e com quem privou. “Cães imperfeitos”, esquecidos pelo tempo e desprezados por quem quer adotar, por serem velhos ou doentes e exigirem cuidados.