Tudo começou com uma brincadeira. Duarte Fernandes, 43 anos, sempre foi apaixonado pelos animais e pelas motas. Desde os cinco, não recorda um único momento em que não teve cães e gatos em casa e desde os 16, anda de mota. Contudo, confessa que não é “fanático” e nunca esteve habituado a frequentar as concentrações de motards. Pelo menos não até 2017 quando tudo mudou para o antigo DJ.
Em dezembro do mesmo ano, encontrou num café um amigo que também adora motas e que “já não via há vários anos”. Logo percebeu que o conhecido estava triste e para ajudá-lo a “desanuviar a cabeça” teve uma ideia. “Combinei de irmos dar uma volta de mota, disse que ia organizar um evento e que ele convidasse a malta porque eu não conhecia ninguém neste mundo”, começa por contar à PiT.
Em poucos dias, partilhou o passeio nas redes sociais e a 1 de janeiro, quase 30 motas partiram para a estrada. “Fiquei surpreendido porque não conhecia ninguém no mundo das motas e em tão pouco tempo, apareceram várias pessoas”, recorda. “Fomos passear em Sintra, beber um café, conversar e conhecer uns aos outros”.
Naquela mesma noite, em casa, não parou de pensar no dia que teve. “Sou um rapaz muito de ideias”, diz, entre risos. “Não gosto muito de estar sentado a ver telenovelas à noite, preciso sempre fazer alguma coisa. E na altura, surgiu-me essa ideia de andar de motas e ajudar os animais. No dia seguinte, contactei o meu amigo a dizer que queria ajudar os cães e gatos de abrigos com motas”, partilha.
Mais tarde, num domingo, organizou outro evento de motas. Desta vez, o destino não foi o Cabo da Roca ou os conhecidos cafés entre os motards, mas sim a UPPA (União Para a Proteção dos Animais), em Terrugem, também em Sintra.
“Eram cerca de 20 motas e fizemos o passeio debaixo de uma chuva torrencial”, recorda. Mesmo assim, não desistiram. Levaram várias doações ao espaço, especialmente rações, e passaram algumas horas com os patudos. No mês seguinte, no primeiro domingo, fizeram o mesmo noutra associação, assim como nos restantes que se seguiram até os dias de hoje.
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Hoje já vai além dos passeios
Depois do sucesso do primeiro encontro, Duarte viu uma oportunidade de avançar com o projeto que juntava as suas duas paixões. Apelidou-o de 2RS — 2 Rodas Solidárias e em 2020, depois de três anos a fazer os passeios constantes em abrigos pelo País, percebeu que podia expandí-lo a outras áreas no mundo animal.
Atualmente, além das concentrações que decorrem no primeiro domingo de cada mês (os carros também podem juntar-se), o projeto faz visitas a escolas, doações a animais de pessoas em condição de sem-abrigo, resgates e apoio solidário a famílias com dificuldades financeiras ou a nível médico.
Mais recentemente, no fim de julho, o 2RS esteve no incêndio que deflagrou em Alcabideche a ajudar as autoridades, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e o grupo de Intervenção e Resgate Animal (IRA). “Conseguimos resgatar alguns cães de um canil que estava numa situação mais perigosa”, conta-nos. Também esteve no Quartel de Santa Bárbara, em Lisboa, a entregar rações e garrafas d’água aos animais e sem abrigos que lá estão temporariamente abrigados.
Nas escolas, as visitas consistem em palestras para os miúdos que abordam temas como o bem estar animal, saúde, maus tratos, dicas de como os ajudar e resgatar, entre outros. Em seguida, cada um dos alunos recebe um diploma de presença do 2RS.
Já em situações mais sensíveis, como nas de pessoas que não têm condições de cuidar dos animais, o projeto procura ter mais atenção. “Tentamos perceber o porquê da situação dos animais para que não sejam resgatados e retirados”, explica Duarte. “Tem de haver um bom senso e perceber a parte de ambos, ou do cão ou do tutor”.
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“Sai praticamente tudo do nosso bolso”
Já lá vão seis anos desde que o 2 Rodas Solidárias ganhou vida e Duarte não poderia estar mais contente com o trabalho que tem feito. Desde miúdo, a crescer rodeado por cães e gatos, sempre sentiu a vontade de cuidar de todos eles. “A vida vai passando, vamos vivendo e conhecemos várias histórias de animais com dificuldades, sem apoio e sem ajuda e dai o amor ter aumentado”, diz à PiT.
Hoje, o grupo de intervenção conta com oito pessoas e a merchandise do projeto é feita por uma amiga de Duarte. O resto, entre organização e burocracias, é tudo tratado pelo presidente. “O maior desafio é conseguir levar o 2RS mais além. Não temos ajuda, sai praticamente tudo do nosso bolso”, confessa.
Para o fundador, ajudar “aqueles que mais precisam com o quão pouco que tem” é uma das partes mais difíceis. Mas com algumas ajudas que recebe, especialmente de seguidores do projeto, consegue apoiar cada vez mais famílias e animais carenciados.
Nos últimos três anos, entre os resgates que mais o marcou, está o de um cão na freguesia de Campolide que pertencia à uma senhora “sem qualquer condição” de saúde. “‘Comia’ tabaco, estava ligada ao oxigénio, o cão fazia coco e xixi no quarto dela, era deplorável”, diz. “Ele próprio também tinha alguns problemas de saúde, estava sem pelo, com sarna, pulgas, carraças e otites. Estava num muito mau estado, até fazia confusão de ver”.
Com ajuda da Polícia de Segurança Pública (PSP), conseguiu retirar o canídeo que hoje “está ótimo”. São momentos como esses que dão força ao produtor de música eletrónica para continuar a fazer o que faz. Já em casa, é ao lado do companheiro Thor, um gato resgatado das ruas que partilha toda a paixão pelos patudos.
Atualmente, o 2RS está a transformar um Jeep para “entrar em terreno” e ajudar nos restantes resgates. Além disso, o que não o falta são novas ideias para o futuro. A 1 de setembro, vai avançar com um serviço de transporte para levar os animais de companhia de pessoas sem carta de condução ou de velhotes ao veterinário, às tosquias e a hotéis caninos nas zonas de Lisboa, Cascais, Sintra e Margem Sul.
Para ajudar o 2 Rodas Solidarias, pode consultar os números de MBWay e IBAN disponíveis na sua página do Facebook. O projeto também conta com uma conta no Instagram e um canal no YouTube.
Carregue na galeria para conhecer o dia a dia do 2RS — 2 Rodas Solidárias.