Depois de, a 18 de janeiro deste ano, o Ministério Público ter pedido ao Tribunal Constitucional (TC) que declarasse a inconstitucionalidade da lei de 2014 que criminaliza os maus-tratos aos animais de companhia, têm sido cada vez mais ruidosos os protestos contra aquilo que os defensores dos animais consideram ser um retrocesso civilizacional.
O pedido de inconstitucionalidade surgiu após três decisões do TC nesse mesmo sentido e a polémica em torno do assunto tem sido cada vez maior – a ponto de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter defendido a 21 de janeiro, no dia da manifestação pelos animais em Lisboa, que o bem-estar animal deveria ser “devidamente legislado”, recordando que o parlamento o poderia fazer “em sede de legislação ordinária” ou através do processo de revisão constitucional que está em curso.
Agora, a questão registou desenvolvimentos. Na reunião da comissão de revisão constitucional desta quinta-feira, 20 de abril, os partidos concordaram em consagrar na Constituição a promoção do bem-estar animal para se tentar ultrapassar algumas decisões do Tribunal Constitucional sobre o tema, refere o “Observador” citando a agência Lusa.
Pelo PS, segundo a mesma fonte, a deputada Alexandra Leitão sublinhou que o parlamento já aprovou legislação de proteção dos animais de companhia, inclusive penal, e recordou que “em pelo menos três situações de fiscalização concreta da constitucionalidade, o Tribunal Constitucional entendeu que aquelas normas eram inconstitucionais, por considerar que o avanço para a tutela penal exigiria que o bem estivesse especificamente consagrado na Constituição enquanto valor a tutelar”. A socialista classificou a proteção do bem-estar animal como um “avanço civilizacional”, considerando importante incluir na Constituição esta referência de forma a “respaldar a legislação feita nesta matéria”.
Também a social-democrata Emília Cerqueira defendeu a importância de introduzir esta alteração na Constituição, ultrapassando a questão levantada pelo TC e avisando para um “vazio legal”.
Já a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, considerou que “tem que ser dado este salto civilizacional”, ideia acompanhada pelo deputado único do Livre, Rui Tavares. Por seu lado, referiu o “Observador” citando a Lusa, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, salientou a importância de esta alteração ter um artigo próprio, mas disse não ver divergências de fundo sobre a matéria.
Rita Matias, do Chega, também concordou com a proposta em debate, e o deputado da Iniciativa Liberal João Cotrim de Figueiredo defendeu que esta alteração “vem preencher o vazio jurídico” criado pelas decisões do TC.
Alma Rivera, do PCP, considerou “necessário acompanhar a evolução do pensamento e das sociedades no sentido de uma outra relação com os animais, não meramente instrumental” mas disse não estar certa de que as alterações em debate consigam ultrapassar as questões levantadas pelos juízes do Tribunal Constitucional.
Inconstitucional porquê?
Desde outubro de 2014 que os crimes contra animais de companhia passaram a estar previstos no Código Penal. No entanto, apesar desta recente criminalização dos maus-tratos e abandono de animais no nosso ordenamento jurídico, já houve nos últimos oito anos de vigência desta lei algumas decisões sumárias e acórdãos que a declararam inconstitucional.
Essa lei de 2014 tem estado em risco de vir a ser declarada inconstitucional pelo facto de não ter cobertura na Constituição. O pedido nesse sentido assenta no princípio de que só os atentados aos valores constitucionalmente protegidos podem ser punidos com a privação de liberdade – e nada na Constituição prevê privação de liberdade no que diz respeito aos direitos dos animais.
Matar ou maltratar um animal de companhia poderá, assim, deixar de ser considerado um crime – a menos que o Parlamento corrija os problemas identificados. E foi isso que se tentou agora fazer com a inclusão da proteção do bem-estar animal na Constituição.
A petição pública entretanto criada – no sentido de a lei existente ser discutida no Parlamento – conta já com 92.889 assinaturas e bastavam 7.500 para ser apreciada em plenário da Assembleia da República.
O debate prossegue e, enquanto isso, os defensores dos animais aguardam que a lei de 2014 possa ser salva. Percorra a galeria para conhecer o que está definido no Código Penal de outros países.