Animais

Primeiro santuário para touros resgatados de touradas é fundado por português

Miguel quer salvar os animais dos matadouros, apresentando um "terceiro caminho" para o conflito. Tem a preservação como foco.
Pandora é um dos animais resgatados.

Miguel Aparício, de 42 anos, nasceu em Lisboa. Em 2015, mudou-se para a Colômbia e há três anos, deu início a um santuário de proteção para os animais. Há pouco mais de três meses, apostou numa nova iniciativa que “passa despercebida” nos dias de hoje: o destino dos touros e vacas de lide usados nas touradas.

“A pressão social e legislativa contra as corridas de touros está a causar um efeito colateral, que é o facto de muitos desses animais estarem a terminar em matadouros”, começa por explicar à PiT. “Como não há corridas suficientes, muitos desses touros e vacas estão a ser enviados para a morte porque perdem a sua importância económica num contexto tauromáquico”.

De um lado, a indústria tauromáquica luta para manter a tradição e economia que criaram ao longo dos séculos. Do outro, os movimentos de defesa dos animais querem libertá-los. Porém, segundo Miguel, há um problema que não está a ser pensado por ambas as partes.

“Há um diálogo impossível entre os dois lados que não está a resultar para os animais que estão no meio de tudo isso”, explica. “Digamos que os membros da indústria tauromáquica dizem que adoram o touro. Claro que têm uma visão muito estranhar de ‘gostar do touro’ no sentido em que os mandam para a praça onde são torturados e mortos”.

O fundador continua: “Por outro lado, os membros dos movimentos anti-touradas dizem que se preocupam muito com os animais e, por isso, querem proibir as touradas. Até aí, entende-se a lógica. Mas esquecem-se sempre de criar soluções para os animais que existem hoje sempre que se impede uma tourada ou tentam proibir e limitar tudo isso”.

É através da Reserva del Toro, o santuário que nasceu no final de 2022, que Miguel quer apresentar uma “terceira e nova” solução. “Queríamos avançar com uma iniciativa que tivesse em conta todas as preocupações que tem a ver apenas com os touros e as vacas de lide. Não entrar tanto neste conflito aberto entre as duas partes, anti e pro-touradas, mas sim, trabalhar na proteção desses animais para que, aconteça o que acontecer, tentemos evitar que terminem no matadouro”.

A preservação como principal foco

Atualmente, a Reserva del Toro  acolhe seis touros e vacas de lide provenientes de touradas. Na próxima semana, conta Miguel Aparício, vai receber mais um animal e também tem conhecimento de uma situação com outros seis. O fundador frisa que é importante colaborar com as pessoas da indústria tauromáquica visto que são estas que controlam o destino dos animais.

“Aquilo que vimos por experiência própria é que, quando é possível conversar com este mundo, ele está disposto a conversar connosco”, diz á PiT. “Há muitas pessoas que estão prontas para dar um novo paradigma para os touros e as vacas. Isso também está acontecer porque temos uma postura de diálogo e colaboração, e de tentar criar alternativas para este mesmo mundo”.

“Não é muito razoável pensar que toda a indústria tauromáquica vai simplesmente baixar os braços e aceitar a proibição das touradas. Então, o que estamos a ver são duas partes em conflito que usam todas as forças que têm para fazer valer os seus interesses. Infelizmente, aqueles que perdem mais com isso são os touros, que são os que mais nos preocupam”.

Na Colômbia, onde vive, o Senado da República aprovou em dezembro de 2022, uma proibição progressiva das práticas cruéis de entretenimento animal. Em março deste ano, tudo indica que as touradas serão proibidas definitivamente no país. Porém, o empresário português não quer limitar-se só ao país latino-americano.

Apesar das touradas, assim como as suas leis, diferirem de país para país, Miguel quer trabalhar com entidades e profissionais de todo o mundo com um único objetivo: preservar a espécie.

“É uma raça única, não é parecida com qualquer outra de bovino no mundo. É também uma das mais antigas”, sublinha. “As pessoas da indústria tauromáquica costumam dizer que se se acabam as touradas, acaba-se o touro. Mas agora, isso já deixa de ser verdade no sentido em que assim que as touradas acabaram, seja em cinco ou em 15 anos, a preservação da raça e das castas diferentes está garantida pela Reserva del Toro Bravo”.

“São animais que pela sua natureza são extremamente agressivos”

O Animal Namigni, primeiro santuário fundado por Miguel Aparício e que influenciou a criação da Reserva del Toro Bravo, conta com mais de 400 animais. Destes, mais de 100 são bovinos de diferenças raças. No entanto, o empresário frisa que estes são “tranquilos e pacíficos” sendo assim, “completamente diferentes” dos touros e das vacas de lide usados nas touradas.

“Estamos a falar de bovinos que são muito complicados”, frisa à PiT. “São animais que pela sua natureza e genética são extremamente agressivos. Chegam aqui bebés, com poucos dias de vida, com uma agressividade extrema e atiram-se a nós com toda a força do mundo”. Os animais derivam de uma raça de bovinos selvagens, originária na Europa, e preservam as suas características, nomeadamente a agressividade, musculatura, cornos, velocidade e agilidade.

Entre os animais de lide acolhidos pelo santuário, está Pandora e Cassandra, a sua cria de dois meses. A vaca, já adulta, foi entregue ao santuário a 24 de dezembro de 2022. Na Colômbia, Miguel explica que quando as vacas como Pandora nascem, são submetidas a testes para determinar se são “agressivas o suficiente”.

“Quando elas são jovens, vão para tentas dentro das próprias ganadarias onde se faz uma espécie de mini-tourada privada pra determinar a sua agressividade. Se não são, vão para o matadouro. Se são, são utilizadas como reprodutoras”, explica. E durante toda a vida, foi isso que Pandora fez. Até chegar no santuário.

“É uma vaca muito agressiva que olha para nós com muita desconfiança”, conta. “Hoje, já está bastante mais tranquila e tem uma certa curiosidade, mas obviamente não podemos aproximar-nos dela demasiado porque é muito perigoso”. Já a cria Cassandra, ainda não apresentou comportamentos agressivos. “Ela vai crescer num ambiente de paz e tranquilidade, e vamos observando etiologicamente a sua conduta”.

Pandora e Cassandra.

Já um bebé macho, com cerca de um ano e acolhido pelo santuário, também não deixa Miguel ou os funcionários aproximarem-se. “Aquilo que estamos a tentar perceber é como é que se pode cuidar deles de uma maneira que se reduza a sua agressividade natural”, explica. “É um processo novo no mundo, nunca se fez isso”, sublinha. O empresário diz que as pessoas precisam de entender que a proteção e preservação da espécie é “muito complicado e cara”.

“Os espaços para eles têm de ser reforçados, é preciso por-lhes comida sempre suplementada porque eles não podem estar todos nos campos a comer pois têm de estar em sítios grandes e fechados. Precisam ainda de cuidados específicos por apresentarem características muito mais complicadas do que os restantes”, refere.

Um futuro económico e seguro

Para os membros da indústria tauromáquica, a proibição as touradas é também a perda da economia que os sustentam, sendo estes um dos poucos defendidos por este mundo. “Com toda a pressão, eles reagem com toda a força que tem porque sentem que o seu modo de viver está ameaçado”, explica Miguel. “Isso faz com que seja ainda mais importante que apareça alguém que os apresente um caminho diferente que não os ataca e sim, tenta incluí-los nessa nova maneira de fazer as coisas”.

De acordo com o empresário, uma alternativa “economicamente viável” para os agentes do mundo tauromáquico é o ecoturismo. “Por exemplo, as pessoas podem ir apreciar e contemplar o touro no seu habitat natural, sem que estes sejam maltratados”.

Por outro lado, caso o interesse económico destes desapareça, o fundador apela por uma responsabilização. “Temos de ser responsáveis e pensar no futuro desses animais que existem hoje. Porque se a solução é encolher os ombros e deixar que todos acabem num matadouro, isso é de uma hipocrisia tremenda porque vão ter um fim tão trágico do que aqueles que estavam a ter nas praças de touros”.

O português frisa ainda que hoje “é muito mais fácil” proteger os touros e evitar que acabem no matadouro “sem passar pelo parlamento, pelo governo ou pelas câmaras municipais”. Miguel defende que a melhor forma é “estabelecer diálogos, colaborações e alianças” com pessoas da indústria tauromáquica que estejam dispostas “a mudar de perspetiva”.

Com o tempo, a Reserva del Toro Bravo pretende conseguir meios suficientes para conseguir acolher dezenas de touros e vacas de lide. Apesar dos custos elevados, Miguel frisa que é “apenas o começo”. “A proteção desses animais é mais complicada mas não é por isso que eles merecem menos respeito. Apenas significa que o desafio é mais complexo. É preciso conhecê-los, protegê-los e não deixarmos esses animais esquecidos”.

Carregue na galeria para conhecer os animais resgatados e todos os outros a viverem no santuário.

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