“Se alguma coisa te faz sentir medo, mas ao mesmo tempo te entusiasma, então é algo que devias fazer”. Se há pessoa que segue esta frase ao máximo, é o fotógrafo e videógrafo Ricardo Nascimento que, aos 32 anos, já teve encontros debaixo de água com tubarões, baleias, golfinhos, leões marinhos, tartarugas e muitos outros animais marinhos — exceto orcas. Essas ainda não apareceram à sua frente.
Ricardo Nascimento nasceu em Oeiras e, ao contrário da maioria dos fotógrafos, não cresceu com o sonho de seguir uma carreira nesta indústria. Na verdade, só começou a mexer numa câmara fotográfica depois dos 20 anos, quando estava a terminar um mestrado em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico.
Contudo, o mesmo não se pode dizer da sua paixão pelo mar: aos 12 anos, começou a praticar bodyboard e, desde então, nunca mais largou o desporto aquático. “Como sempre fiz bodyboard, a certa altura fiquei com vontade de ter umas fotografias dentro de água. Então decidi comprar uma câmara e comecei a fotografar fora de água, mas depois fui achando aquilo um pouco chato”, começa por contar. O que queria mesmo era ir para dentro de água, onde estavam os amigos. E assim foi.
Sem qualquer tipo de curso ou formação, foi aprendendo tudo sozinho e a falar com outros fotógrafos que conhecia na praia. Chegou a ir até à Indonésia para tentar melhorar e fotografar as ondas quentes do país. No entanto, não via a fotografia como algo mais do que um hobby: gostava de o fazer e divertia-se com isso, mas continuava a trabalhar na sua área de formação.
A paixão pelo vídeo surgiu cinco anos depois de ter começado a tirar as primeiras fotografias. “Parti o pulso a andar de skate e estive com gesso durante três meses. Não conseguia usar a minha mão direita e era difícil pegar na câmara. Então peguei na máquina, meti num tripé e comecei a gravar. E foi assim que surgiu o interesse pelo vídeo”, revela.
Foi nessa altura que Ricardo Nascimento percebeu que, “por muito poderosa que uma fotografia possa ser”, era muito mais fácil contar uma história com as imagens em movimento por ser algo “com início, meio e fim”. De forma inesperada e espontânea, percebeu aquilo que realmente gostava de fazer: contar história. E de preferência atrás de uma câmara.
Despediu-se da empresa onde estava a trabalhar, lançou-se “meio à maluca” como fotógrafo em freelance aos 24 anos e foi fazendo alguns trabalhos enquanto videógrafo.
As primeiras filmagens do projeto “Água Negra”
Ricardo Nascimento e David Ochoa conheceram-se no bodyboard e tinham um amigo em comum, que morreu em 2020. “Estávamos a fazer um vídeo sobre ele e, quando começámos a falar, vimos que tínhamos muitas coisas em comum. Adorávamos Cabo Verde e queríamos os dois fazer um documentário que fosse muito bom”, conta.
De uma simples conversa nasceu o documentário “Agua Negra”. Fizeram as malas e rumaram a Cabo Verde em 2016 para fazer “o melhor trabalho possível e imaginável” e “algo que ainda não tinha sido feito”. Até ao momento, Ricardo só tinha fotografado dentro de água, mas apenas da superfície para cima, com as lentes apontadas para quem estava a surfar. Em Cabo Verde, na ilha de São Vicente, levou a câmara para debaixo de água pela primeira vez.
“A três milhas da costa estava um barco afundado, era azul por todo o lado e só se via a sombra do barco. Fomos até lá com um daqueles barcos locais com pescadores e foi a primeira vez que filmei debaixo de água”, recorda. Sem experiência em mergulho — tinha experimentado apenas duas vezes em Portugal para se preparar —, foi aprendendo aos poucos com as pessoas com quem estava a trabalhar.
Para facilitar o trabalho, Ricardo faz mergulho em apneia que, além de ser mais silencioso (não anda com a garrafa de mergulho atrás), permite ficar muito mais tempo dentro de água. Em apneia, o fotógrafo consegue ficar até cinco horas lá em baixo.
Antes de se aventurar na imensidão do oceano, o equipamento é sempre o mesmo: a câmara, que fica dentro de uma caixa estanque para a proteger da água; um fato completo, que tapa a cabeça; luvas; meias; barbatanas mais longas de carbono que permitem nadar mais depressa e silenciosamente; um cinto com chumbos para estar mais pesado e evitar subir à superfície; e uma faca, para o caso de ficar preso numa rede.
O documentário com 62 minutos, lançado em 2018, foi o primeiro grande projeto do videógrafo e correu ainda melhor do que estava à espera. “É um documentário sobre pesca submarina, diferente de tudo o que já foi feito. O nosso objetivo é mostrar os sítios onde vamos para fazer pesca submarina, as pessoas que conhecemos, as histórias que criamos e as emoções que sentimos, quando corre tudo bem ou quando corre tudo mal”, explica.
O primeiro encontro de Ricardo Nascimento com um tubarão
Foi também em Cabo Verde, quando estava a gravar o primeiro documentário, que Ricardo Nascimento ficou frente a frente com um tubarão. “Estar perto de um tubarão é sempre estranho porque é aquele bicho que é considerado o terror dos mares e mete imenso medo”, diz Ricardo Nascimento.
“A primeira vez que vi um tubarão era suposto estar a filmar e nem consegui. Só fiquei a olhar para ele e a pensar: O que é isto?. Era um tubarão mesmo grande e lembro-me que fiquei meio perplexo a olhar para ele, mas foi um encontro muito rápido, talvez 10 segundos. Ele apareceu, mordeu um peixe e desapareceu outra vez”, recorda.
Como qualquer animal, seja em terra ou em mar, há cuidados que é necessário ter para evitar situações desagradáveis: é preciso perceber bem a linguagem corporal do animal e ter cuidado com a forma como nos movimentamos perto dele.
“Primeiro temos que os encontrar, depois perceber se o animal está curioso e quer aproximar-se de nós ou não. Temos que ter noção dos nossos limites, porque a apneia é um desporto perigoso. E nenhuma fotografia vale a nossa vida”, sublinha.
É importante ter muito respeito pelos animais que aparecem por perto e evitar tocá-los, principalmente no caso das baleias. “As baleias, na maior parte das vezes, não se desviam e temos de ter cuidado. Com os tubarões é ao contrário, temos de impor o nosso espaço e têm de ser eles a desviar-se de nós. Também são de tamanhos diferentes e os cuidados que temos com uma baleia de 20 metros são diferentes dos que temos com os golfinhos, tubarões ou tartarugas”.
Não existem muitas informações sobre como abordar estes animais marinhos e Ricardo foi aprendendo aos poucos as melhores formas de se aproximar. Por exemplo, quando tentou fotografar tartarugas nos Açores, não conseguia ficar perto de nenhuma: fugiam a sete pés.
“Isso ensinou-me a ser mais cauteloso. Comecei a afastar-me uns cinco metros ao lado delas e ia-me aproximando aos poucos. Passada cerca de hora e meia, consegui ganhar a confiança e aproximar-me delas, mas só umas quatro horas depois é que consegui a fotografia”, conta Ricardo Nascimento.
Com os golfinhos, por exemplo, a abordagem já pode ser diferente: tenta chamar a atenção deles com sons e movimentos do corpo e, se ficarem curiosos, aproximam-se.
O medo das profundezas
Ricardo já esteve, no máximo, a 30 metros de profundidade. Para os trabalhos que costuma fazer, geralmente fica entre cinco a 15 metros da superfície: é o suficiente para conseguir encontrar estes animais impressionantes. Apesar da experiência, há coisas que não desaparecem. Uma delas é o medo.
“Sinto medo a toda a hora, mas ele está lá para nos lembrar que não somos invencíveis, principalmente em apneia. É importante lembrarmo-nos que somos humanos, não somos peixes, e precisamos de vir à superfície para respirar”, revela. Mesmo quando o coração bate mais depressa do que o normal, o importante é manter a calma.
“Não posso estar stressado porque estou debaixo de água e tenho de suster a respiração. Os animais também sentem a nossa energia e a agitação. Se estivermos agitados, eles sentem e vão-se embora”, confessa. Apesar de o medo não ser uma constante, “o receio está bastante presente”, mas não é isso que o vai impedir de fazer aquilo que realmente gosta. Só tem é de o fazer com cuidado.
Os momentos mais marcantes na água
Depois do documentário, acabou por se afastar um pouco deste mundo subaquático e começou a trabalhar com a Red Bull Portugal, onde fazia vídeos sobre desporto e foi fazendo projetos cada vez maiores. Ainda assim, nunca deixou de lado as fotografias e vídeos debaixo de água — que são agora o seu foco principal.
Há cerca de quatro meses, foi para as Maurícias para um novo documentário, desta vez relacionado com a comunidade de surf naquele país insular. “A história começa com a comunidade do surf, como é que chegou a esta ilha no Oceano Índico e qual a relação da comunidade com o oceano. Também falamos sobre o derrame de petróleo em 2020. Todos se juntaram para tentar proteger a ilha e os animais e ajudar nas limpezas”, explica.
Nestes últimos quatro meses, Ricardo já viveu momentos inacreditáveis. Num deles, estava a mergulhar nas Maurícias quando apareceu uma baleia de bossa com uma cria recém-nascida, que devia ter nascido há pouco mais de uma semana.
“A baleia normalmente tem uma cor cinzenta, mas a cria estava completamente branca. Ainda estava meio atrapalhada, a aprender a nadar, a perceber como é que as barbatanas e a cauda funcionavam. É um momento de que me vou lembrar durante muito tempo, até porque não é normal ver uma baleia tão pequenina. É inacreditável”, recorda o fotógrafo.
Outro dos momentos mais marcantes aconteceu num dia em que estava a fazer mergulho e ficou rodeado por, no mínimo, 20 cachalotes ao mesmo tempo. “Estavam por todo o lado e uma pessoa fica confusa sem saber bem para onde ir porque são mesmo muito grandes”.
Ao longo destes seis anos, o maior animal que viu dentro de água foi um cachalote macho, com 24 metros de comprimento: “Estávamos a filmar as fêmeas, que tinham cerca de 15 metros — e eu já as achava gigantes —, até que de repente aparece o macho, com 24 metros. Ele tinha a cabeça quase toda branca porque eles caçam lulas gigantes e as cicatrizes ficam brancas”.
Um dos sonhos de Ricardo Nascimento era mergulhar com leões marinhos — e conseguiu concretizá-lo numa viagem ao México. Foram para lá com o objetivo de tentar nadar com eles, tentaram vários dias, mas a sorte não parecia estar do lado deles. Até que chegou o último dia da viagem e o inesperado aconteceu: “Conseguimos encontrá-los, estava uma luz incrível, eles estavam super calmos e ficámos quase umas três horas dentro de água. Eles fazem aqueles sons típicos e ficaram a olhar mesmo para nós. Estavam a cerca de um ou dois metros de nós. Quando chegámos ao barco começaram a cair-me lágrimas nos olhos porque foi mesmo um momento incrível”.
Percorra a galeria para ver algumas das fotografias de Ricardo Nascimento.