Animais

Rodrigo cuida de uma raça “perigosa” há 23 anos. Quer acabar com o preconceito

O criador alerta para a importância das regras que devem ser seguidas em Portugal e pela ilegalidade nas plataformas de venda.
A família completa.

A casa de Rodrigo Saraiva, de 44 anos, e da mulher Andreia Barroca Saraiva, de 36, foi construída a pensar nos cães. O casal é tutor de seis American Staffordshire Terrier, uma raça classificada como potencialmente perigosa e definida como o mix entre o Pitbull e o Staffordshire Bull Terrier. Onde vivem, cerca de 15 minutos de Loures, os canídeos têm um verdadeiro “hotel cinco estrelas” construído no quintal que rodeia a residência.

Há cinco canis, todos pensados por Rodrigo. Nos dois interiores, que contam com duas portas para cães controladas manualmente pelo tutor, têm paredes contra incêndios, alarme e aquecimento para os dias mais frios. Durante o verão ou dias mais húmidos, há duas janelas que abrem em simultâneo para a circulação do vento.

“Foram todas ideias minhas que eu fui melhorando com o tempo”, começa por contar à PiT Rodrigo. E apesar de todo o cuidado, os cães raramente ficam presos. Os patudos passam o dia soltos no quintal, onde socializam uns com outros. Durante a noite, vão para os canis e dormem como realeza. “Cada um tem a sua cama e manta, igual a nós”, partilha. E não é só isso que se assemelham aos humanos. Pelo quintal, há armários espalhados onde o tutor guarda as cobertas e vários outros equipamentos durante o dia.

Além disso, os patudos têm uma cozinha equipada só deles, com duas arcas frigoríficas para guardar a carne, os sacos de ração da marca portuguesa Masterfood, panelas, trelas, medicamentos e tudo o que precisam.

“Todos os criadores acham que a raça que têm é melhor, só que o American Staffordshire realmente é a elite dos cães”, partilha. “É o cão mais forte, mais atlético, mais corajoso, com menos problemas de saúde, com mais capacidade de interação… É muita coisa positiva. Eles têm um caráter muito forte, por isso que as pessoas se apaixonam. Toda a gente olha para eles e sente poder em especial pelo seu aspeto físico. Olha e pensa logo ‘Epá…’, só que depois são umas princesas”, brinca.

Desde miúdo, Rodrigo carrega a paixão por cães e há 23 anos apaixonou-se pela raça. Há pouco menos, tornou-se criador certificado e hoje dedica-se inteiramente a criação com a marca própria Lover’s House. Contudo, afirma que a profissão ainda está “atrasada” no País, e no que diz respeito a raça que cria, há muitas ilegalidades.

“Cerca de 90 por cento dos criadores que estão na OLX são clandestinos”

É difícil passar pela casa de Rodrigo e Andreia Saraiva e não reparar no aviso em grande que o casal tem no portão de entrada. Este é apenas um entre o conjunto de regras que os tutores de raças classificadas como potencialmente perigosas precisam de seguir no País. “Parece até que temos leões aqui dentro”, brinca Andreia.

O aviso obrigatório.

Contudo, apesar das regras existirem, são poucos os que as seguem e, em certos casos, que as conhecem. “É preciso conhecer os criadores certificados que estão registados no Clube Português de Canicultura (CPC), na Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)”, explica Rodrigo. “Desta raça, só há quatro ou cinco certificados em Portugal. Mas além disso, há muita gente ‘a fazer ninhadas'”.

A expressão refere-se as centenas de cachorros disponíveis em plataformas de venda de criadores não certificados. Por lei, todas as ninhadas devem ser registadas no CPC. “Houve uma ninhada nossa em que nós pedimos a lista de registos no País e a nossa era a única”, diz Andreia Saraiva. “Com tantos cães American Staffordshire supostamente a venda na OLX, Facebook e em todo o lado, a nossa era a única registada”.

De acordo com Rodrigo, o que justifica o elevado número de anúncios de cães American Staffordshire não registados, é a falta de uma “inspeção massiva”. “Cerca de 90 por cento dos criadores que estão na OLX são clandestino”, diz. “Não me digam que se telefonarem para essas ninhadas, os criadores vão entregar na casa deles porque não vão. Vão marcar no Colombo, no Vasco da Gama… é lá que são apanhados”. 

Andreia acrescenta: “Para essa raça, é como se estivesse a vender armas sem ter licença para isso. É um crime mesmo, um crime grave”. Além das divergências de preço entre um criador certificado e um ilegal, Rodrigo alerta para a falta de cuidado no que diz respeito aos pais das crias, a personalidade do cão, saúde, entre outros.

Rodrigo vende os filhotes já com seguro e todas as vacinas. E ainda oferece um workshop aos tutores

Para o criador, há muitos aspetos que destaca a Lover’s House. O principal é o “cuidado extra” que tem pelos cães e cachorros, vendidos a 1.200€. “Somos os primeiros criadores de raça potencialmente perigosa em Portugal a entregarem os cães já com seguro de responsabilidade civil”, frisa à PiT. “Isso veio da minha cabeça e da da minha mulher, nunca nos exigiram isso”.

Rodrigo conta à PiT que para todas as ninhadas, é criado um grupo no WhatsApp com os seus futuros tutores. Estes devem cumprir todas as exigências presentes num regulamento de três páginas feito pelo criador e Andreia.

Durante toda a gestação da cadela, que dura entre 58 e 62 dias, o casal partilha no grupo todos os seus exames, assim como os relatórios e declarações dos veterinários. “Aos 25 dias, enviamos a primeira ecografia e a segunda, aos 40”, partilha. “A primeira vai dar a certeza de que a cadela está grávida e a segunda vai ver a vesícula e se os bebés estão bem. Após 50 dias, fazemos o raio-x para saber quantos cachorros são”.

“Cada vez que vamos ao veterinário, filmamos e os clientes adoram isso. Mandamos as características da raça, as obrigações, vamos informando sempre”, acrescenta Andreia. Quando as crias nascem, têm um quarto só para elas dentro da casa. “Temos duas maternidades e aquecimento nas paredes com termómetros para manter a temperatura do quarto. Somos nós que fazemos o parto e que acompanhamos tudo”.

Enquanto a grande maioria dos filhotes são normalmente adotados aos dois meses, na Lover’s House, Rodrigo opta por entregá-los só aos três, após a conclusão do plano profilático, do teste de Campbell (para conhecer a sua personalidade) e do adestramento básico.

“Como é que um cão sai de um criador por 800, 900, mil euros, seja o que for, só com uma vacina ou com duas?”, questiona. “A vacina da raiva é obrigatório a partir dos três meses e nós já entregamos o cachorro com ela. É errado entregar crias aos clientes sem esta vacina porque as outras protegem o cão e a da raiva é a única que protege o homem”.

Durante o adestramento, os filhotes também aprendem a dormir na cama própria, a andar de trela e passam por um treino de manuseio, isto é, para permitir que as crias sintam-se confortáveis com toques de humanos em qualquer parte do corpo, sem reagir com agressividade.

Por fim, no dia da entrega dos filhotes, Rodrigo organiza um workshop de cerca de quatro horas. Neste, explica aos tutores todos os cuidados que se deve ter com os cães. O criador conta ainda com a presença de um representante da empresa de seguro e um advogado para explicarem os cuidados com o cão e regras existentes no País, respetivamente.

“Há pessoas que fazem esse trabalho a 20 ou 30 anos, e fazem mal”, diz. “E ainda ficam chateados connosco a dizer que estamos a exagerar e que não é preciso. É preciso sim, porque nenhuma das coisas que eu digo as pessoas acham exagero como clientes”.

A polémica da adoção e criação

“Não compre, adote” é uma das frases mais utilizadas pelos defensores da causa animal. Com o número de abandonos a subir,  a criação de cães de raça, por vezes, não é bem vista. Contudo, Rodrigo Saraiva defende: “Se não houver criadores, não há raças. E nós conseguimos controlar mais os cães que criamos”.

À PiT, o criador partilha que já foi buscar um cão no canil e teve uma má experiência. “Nós não sabemos os traumas que os animais têm. O cão mordeu-me várias vezes e eu com a experiência enorme que tenho, não consegui controlá-lo e nem perceber o que se passava”, diz. “As pessoas irem buscar animais no canil é muito bonito e louvável, e os que os fazem lá chegar são uns filhas da mãe, para não dizer outra coisa. Mas eu como criador faço com que os meus não cheguem lá”. 

Rodrigo frisa que é importante “ter atenção na vida do animal e os traumas que este tem”. “Um cão que apanhou a vida toda com a trela, por exemplo, quando chegas a casa e vais por a coleira, ele morde-te. Há tantos cães abusados, só que infelizmente eles não falam. O grande defeito deles é viverem pouco tempo, e o grande problema é que não falam. E mesmo se falassem, iam dizer ‘O meu dono não fez por mal'”, realça. “O cão foi inventado para o homem perceber o que é o amor”.

Apesar de não falaram, quando são bem tratados, sabem muito bem demonstrar gratidão. E o que não falta na família e no negócio gerido pela família de Rodrigo, é amor pelos patudos em especial pelos que convivem diariamente.

Carregue na galeria para conhecer a Lover’s House e os American Staffordshire Terrier da família.

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