“Tudo começou com os lobos”, começa por contar à PiT, Carlos Pontes, fotógrafo natural de Ponte de Barca, Viana do Castelo. Aos 18 anos, quando regressava a casa, teve um encontro inesperado com uma fêmea de lobo. “Estava muito velha, muito mal de saúde e tinha uma pata da frente amputada”, recorda. Havia sido alvejada ou vítima de um laço de caça. Sem medo, Carlos parou o carro.
O animal estava super magro e o estado da pata indicava que provavelmente já tinha contraído uma doença. “O encontro não foi nada fugaz, o bicho esteve sempre muito calmo”. Carlos continua: “Parei o carro. Ela parou a olhar para mim com um ar triste e abatido e depois continuou a andar. Quase que não conseguia andar”. Até hoje, com 37 anos, o fotógrafo carrega este momento ao peito. Afinal, foi o que o levou ao trabalho que tem hoje.
“De alguma forma tudo começou com eles. Era a minha maior paixão a nível de animais e era aquilo que me fazia realmente sair de casa, ir para a serra de madrugada e passar lá a noite. Para os ouvir, ver, tentar perceber a dinâmica deles e principalmente o porquê de terem um conflito tão grande com o ser humano”, realça.
Apesar dos encontros com os animais e o “fascínio pela fotografia” serem duas constantes na vida de Carlos desde miúdo, só mais tarde resolveu aprender a arte da fotografia. “Tive formação em design gráfico e até uma idade já avançada nunca optei pela fotografia”, confessa. “Foram os animais que despertaram este gosto e foi por eles que comprei a minha primeira máquina fotográfica e comecei a ter alguma aprendizagem nesta área”, acrescenta. Com o tempo, sem cursos ou workshops, aprendeu tudo sozinho.
Já lá vão 14 anos desde que decidiu dedicar-se aos lobos. E mais recentemente, em junho deste ano, um em especial chamou-o à atenção. Trata-se de Orelhas, a cria de dois meses que recebeu o nome não só porque tem as orelhas grandes, mas porque “estão coladas e hirtas praticamente todo o tempo”, sendo assim fácil de o distinguir dos restantes.
Embora seja o mais pequeno da ninhada, é o mais ativo e aventureiro. Está sempre a explorar o ambiente sozinho e “longe da área usada pelos irmãos”. Desde que a cria e os seus quatro irmãos apareceram pela primeira vez, Carlos tem acompanhado o seu desenvolvimento. “O lobo tem uma área muito grande de território e durante a época de criação, podem andar entre um raio de dois a três quilómetros. Enquanto isso acontece, durante três meses, eu consigo segui-los bem”, explica.
Durante estes três meses, foi a alcateia de Orelhas a escolhida por Carlos. “É o que faço todos os anos durante esta época de criação, escolho um grupo”, partilha. Mas nem sempre as coisas correm bem: dois dos cinco irmãos desapareceram. Carlos não sabe o que aconteceu com eles, mas admite que podem ter sido apanhados por algum predador, por exemplo, a águia-real.
Há cerca de um mês que Carlos não vê Orelhas e a sua família. “A partir de setembro, começam a movimentar-se muito e começa a ficar mais difícil encontrá-los”, conta. No entanto, com a chegada do inverno, o fotógrafo pretende procurar a alcateia e ver “o quão crescido” está Orelhas e os seus irmãos.
O homem como principal ameaça
Carlos Pontes não tem dúvidas em relação à principal ameaça para os lobos: “O ser humano é a principal causa de morte destes animais. Os confrontos que existem entre os lobos e os homens mostram isso”.
A perda de território também tem afetado o número de animais no País. “Neste ponto, eu acredito que o lobo já sofreu praticamente tudo o que tinha a sofrer”, realça. “Havia lobos em todo o país, mas o seu número foi diminuindo à medida que foram sendo empurrados para áreas que hoje são os parques nacionais. São espaços protegidos e à partida salvaguardados para o lobo, mas provavelmente não vão proliferar para além dessas áreas”.
Na opinião de Carlos Pontes, continua a existir um sentimento de ódio e de medo em relação aos lobos. Nas aldeias, o fotógrafo conhece pequenas populações que alteram as suas vidas devido ao medo que sentem pelos lobos. “Conheço várias pessoas que se fecham em casa antes do anoitecer por medo dos lobos”, conta. “Não faz nenhum sentido, mas é o que que está incutido nas pessoas.”
Outro problema comum são as mortes de outros animais causadas pelos lobos. E apesar de o fotógrafo entender que os canídeos podem causar prejuízos para os donos de quintas, defende que é preciso haver uma coexistência entre lobos e humanos. “Tem de existir um equilíbrio para que o lobo possa sobreviver. Há muitos lobos a serem mortos todos os anos”, lamenta.
Para além dos lobos
Carlos Pontes já teve vários encontros com lobos, e em nenhum teve medo. “Não há registos de lobos a atacarem humanos em Portugal. Eu sigo-os de perto há 14 anos e posso dizer que nunca tive um único problema, nem com adultos, quando estão sozinhos, nem quando estão com as crias perto”. No entanto, os canídeos não são os únicos animais que cruzam o caminho do fotógrafo.
Aves, raposas, veados ou cabras. Toda a vida selvagem residente de norte a sul no Parque Nacional Peneda-Gerês já foi retratada pelas suas lentes. E apesar de ter tido encontros com animais de grande porte, foram as lontras que chegaram a atacar o fotógrafo há cerca de cinco anos. “Apesar do seu ar amistoso e fofinho, as lontras têm um lado muito agressivo”.
Houve um dia que o fotógrafo estava camuflado a seguir um casal de lontras à espera da fotografia perfeita. Na água, a dupla estava apenas com a cabeça de fora quando Carlos conseguiu tirar duas fotografias. No entanto, uma delas mergulhou e começou a nadar na sua direção. Animado, preparou-se para mais algumas fotografias, a acreditar que o animal colocaria a cabeça para fora quando se aproximasse.
“Enquanto esperava que ela saísse com a cabeça da água, ela saiu com o corpo todo e atirou-se contra mim”, recorda. “Enrolou-se na minha rede de camuflagem, bateu contra o tripé e voltou para a água e foi-se embora. Ela não me quis fazer mal. Foi um aviso do género: ‘Vai-te embora que já estou farta de te ver aqui’. Elas mostram os dentes às pessoas. O que nunca vi nos lobos, já vi nas lontras várias vezes”.
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Os encontros com animais mais agressivos não são o único problema para o fotógrafo. Sendo um trabalho solitário e independente, Carlos já esteve em perigo algumas vezes. “Em certas zonas, quando estou sozinho, tenho muito cuidado. Há áreas que evito ir, porque se algo acontecesse e estivesse sozinho, só um helicóptero é que me poderia tirar de lá. E às vezes nem tenho rede no telemóvel”.
Há cerca de seis anos, o fotógrafo partiu à procura de lobos numa serra. Enquanto caminhava, escorregou numa pedra e caiu. “Caí com o material todo por cima do pé esquerdo. Mesmo antes de cair já tinha noção que o tinha partido”, recorda. Estava a uma hora da estrada e a cerca de duas horas do hospital mais próximo. Na altura, conseguiu pedir ajuda através do telemóvel, foi resgatado e passou cerca de dois meses parado.
Nos últimos dois anos, Carlos tem-se focado em projetos de vídeo, em especial documentários. Apesar de a paixão pelo vídeo não se comparar com a da fotografia, teve que se adaptar à realidade do País. “Esta área não tem valor em Portugal”.
No último ano, fez imagens de lontras para o filme “Montado“, gravado em Portugal e Espanha, e que estreou em agosto deste ano. Atualmente, está a trabalhar em dois documentários para a televisão portuguesa: um sobre lontras e outro sobre o Parque Nacional Peneda-Gerês.
Percorra a galeria para ver as fotografias espetaculares de Carlos Pontes tiradas ao longo dos anos.