Animais

Samuel treina cães de busca e resgate. É ao lado de Laica que faz o que mais gosta

A última missão da Pastora Alemã foi este ano na Turquia. Agora, Samuel está a focar-se no treino de outros cães.
Uma parceria para a vida toda.

Foi em solo turco que Laica despediu-se da vida de trabalho. Na sequência do sismo que atingiu o país e a Síria a 6 de fevereiro, a Pastora Alemã de nove anos juntou-se ao tutor e treinador, Samuel Ferreira, 30, para a sua primeira e última missão internacional. “Foi muito duro porque por mais que trabalhemos, nunca estamos preparados para uma situação daquelas”, começa por contar à PiT.

Samuel e Laica estiveram três dias no país e, apesar do cenário de destruição e a dificuldade em trabalhar entre escombros e nas temperaturas abaixo de zero, foram protagonistas de um momento feliz. “Nós ajudamos a localizar uma mãe e uma filha. Um cão turco encontrou-as e a Laica foi lá confirmar que estavam mesmo soterradas”, partilha. 

Para o português natural de Viseu, cada segundo valeu a pena e se pudesse, confessa que teria “ficado mais tempo”. “Foi muito emocionante. Demos o que tínhamos e o que não tínhamos por eles mas valeu a pena. Faz-nos ver as coisas de maneira diferente porque as pequenas coisas que para nós não são nada, para eles são tudo”, realça.

Em Portugal, Samuel é proprietário da GOC—K9, uma escola de treino e formações de busca e resgate fundada em 2018. Mas é desde que nasceu que vive entre os cães. “Desde miúdo, sempre tive Pastores Alemães em casa, é a minha raça de eleição e desde aí, começou o bichinho pelos animais”, conta. Em 2013, começou a trabalhar com os patudos e no ano seguinte, deu às boas-vindas a Laica.

“Foi ai que começou o interesse pela área, foi com ela que desenvolvemos isso”, recorda. “Depois, fomos fazendo mais formações e ela já esteve presente em várias missões porque cada vez mais somos ativados para este tipo de situações”, refere. Hoje, aos nove anos, a cadela prepara-se para a reforma merecida.

“Já a temos mais reservada um bocadinho, ela merece um descanso”, diz. “Quando vamos a eventos, feiras ou lares de idosos, ela acompanha-nos para demonstrarmos o que ela fazia. Tem nove anos, mas está em busca e salvamento desde bebé e já faz parte dela”, acrescenta. 

Laica começou os treinos desde o primeiro dia que chegou a casa de Samuel e desde os dois anos, trabalha como uma cadela operacional. Desde então, além da mais recente missão na Turquia, em solo nacional ajudou a encontrar pessoas com problemas de saúde que se perderam em grandes áreas, como florestas, e vítimas de escombros.

Laica reformou-se em grande.

Na Turquia, Laica juntou-se ao grupo de cães que trouxeram esperanças ao povo turco e o tutor não esquece a simpatia da população. À PiT, recorda que só de lembrar da despedida, arrepia-se.

“Temos muito a aprender com eles. O pouco que tinham davam-nos. Durante a despedida, agarraram-se à minha cadela, agradeceram por tudo e disseram que Portugal estava no coração deles”, partilha. “Um senhor fez questão de dizer que queriam que voltássemos ao país quando estivesse reconstruído outra vez e eu disse que sim”, conta.

Além da cadela, Samuel é tutor de sete animais, quatro Pastores Alemães e dois Pastores Belga Malinois com idade média de dois anos. Na família, os patudos “trabalham” em áreas diferentes. Enquanto Laica dedicou-se a busca e salvamento, Mara, uma Pastora Alemã de pelo cumprido, trocou o terreno pela passarela.

“Ela é campeã nacional de beleza numa prova onde se compara o padrão da raça, desde o pelo a estrutura, e o que estiver mais próximo do padrão é o que ganha”, explica. Já Lia, uma Malinois de um ano e meio, está a treinar para seguir os passos da “mana” Laica.

“Não venham dizer que há cães de raças perigosas porque não há”

Nas últimas décadas, cada vez mais países têm apostado em cães treinados em busca e resgate para encontrar desaparecidos e sobreviventes. Para Samuel Ferreira, o trabalho dos animais é indispensável e “muito importante” em situações críticas de desastres naturais ou desaparecimentos.

“Um cão consegue ‘limpar’ uma área muito mais rapidamente do que um ser humano. Se o desaparecido estiver soterrado ou se for de noite, que a nossa visibilidade é mais reduzida, o cão vai lá muito mais rápido”, explica.“Eles têm um nariz muito bom e não falham. Se um cão estiver devidamente treinado e preparado para aquele efeito e se disser que naquela área não há um odor vivo, ou seja, pessoas vivas, é porque não há”, frisa. 

Na GOC-K9, o treinador partilha que não há uma idade certa para dar início aos treinos. “Desde que o cachorro vem para nós, começamos logo a trabalhar, independentemente da obediência”, conta-nos. “Começamos logo a brincadeira e a socializá-lo com outros animais e pessoas. Depois, vamos evoluindo aos poucos. Não há uma idade especifica para começar”, partilha.

Por outro lado, não deixa de salientar a importância de uma rotina de treinos de obediência e comportamento na vida dos restantes patudos. “É muito importante porque os cães não são agressivos. Não venham dizer que há cães de raças perigosas, porque não há”, frisa. “Todas as raças são o que são e tudo vai do ensinamento que os donos lhes dão. Como é óbvio, há raças que têm mais tendências de serem agressivas mas se o tutor souber como contornar isso, o cão deixa de ser violento”, sublinha. 

O próximo passo é abrir uma associação

Atualmente, Samuel e a equipa da GOC-K9 disponibilizam treinos e formações na zona de Viseu, além de fazer diversas parceiras com as autoridades portuguesas para participarem de missões de busca e salvamento. Com o dinheiro que arrecadam, juntamente com donativos que recebem, estão a planear abrir uma associação que já está em processo de legalização.

“O dinheiro é para investirmos na alimentação e equipamentos para eles”, partilha. “Também fazemos a parte de resgate de animais de rua que, às vezes, as pessoas contactam-nos e tentamos ajudar. Na passada semana resgatamos nove filhotes encontrados abandonadas na via pública”, conta.

Para o treinador, a dedicação e relação que partilha com os animais é ainda mais importante do que o trabalho que desenvolvem juntos. “O elo de ligação vai se criando aos poucos, é dedicação, tempo e gostos pelos animais porque eles conseguem perceber isso”, refere. “No primeiro impacto, se a pessoa que está ali ao pé deles, entende e gosta dos animais, eles vão saber e não falham, têm um bom instinto”, acrescenta.

Com Laica, por exemplo, Samuel partilha uma conexão que vai levar para a vida toda e o tutor está disposta de dar uma reforma merecida a Pastora Alemã. “Ela gosta muito de água e se puder, quer seja inverno ou verão, quer estar na água”, diz “Sempre que posso, levo-a num rio”, conta.

Além disso, embora já carregue quase uma década nas costas, Samuel partilha que o gosto pela brincadeira “está lá sempre”. “Quem a vê, não diz que ela tem a idade que tem” frisa. “Ela cansa-se mais facilmente e às vezes, custa mais a ladrar quando deteta uma vítima porque já tem idade. Mas o gosto pela brincadeira e dela saber o que vai fazer continua”, sublinha.

A patuda também vai levar o gosto pelo trabalho até o fim da vida. E mesmo agora durante a reforma, quando faz aparições em feiras ou eventos, sabe o que têm de fazer. “Só o simples facto de eu meter o colete [de busca e resgate], ela percebe que alguma coisa se vai passar e não vamos brincar, vamos trabalhar”, conclui.

Pode acompanhar o trabalho de Samuel através do site, Facebook e Instagram da GOC-K9.

Carregue na galeria para conhecer Laica, o treinador e a equipa da escola.

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