É uma figura inspiradora e um nome incontornável da causa animal. Com 44 anos, a médica veterinária e ativista, presidente da organização não governamental e ambiental que cofundou, a SOS Animal Portugal – nascida num grupo informal em 2004 e legalmente constituída em 2007 –, é também produtora e apresentadora de programas de televisão dedicados a estas temáticas. Em 2015 conseguiu abrir um hospital veterinário que tem em atenção os clientes mais carenciados. Falamos de Sandra Duarte Cardoso, que, numa conversa com a PiT, fala sobre o que a move, os projetos que tem em mãos e o que gostaria de ver no futuro.
O seu amor pelos animais vem desde muito cedo. “Segundo consta, sempre tive muita empatia por todos eles, fossem insetos, cães ou gatos”, diz Sandra Duarte Cardoso. “Os meus pais contam a história de que queriam dar-me carne e então passavam-na na sopa. Mas eu escolhia e cuspia, não queria. Mais tarde introduziram-me a carne e eu comia, mas sempre tive esse cuidado e zangava-me muitas vezes na escola”.
Sandra foi escuteira e foi precisamente por amor aos animais que acabou por sair. “Uma das minhas grandes guerras no escutismo era que eles nos punham a pescar e a comer o que pescávamos – e eu era completamente contra. Uma das coisas que me fez sair foi que um dia, em Montargil, pescaram um peixe de grandes dimensões e quando abriram estava cheio de ovas. Estava grávida. Aquilo para mim foi o fim e saí dos escuteiros, porque não concordava. Mas depois era hipócrita. Não concordava, mas depois em casa comia – mas matá-los não era para mim”, explica a presidente da SOS Animal, hoje assumidamente vegan.
Mas há mais narrativas em torno desta sua paixão, que já deixavam adivinhar o que poderia estar por vir. “O meu pai contou-me que me levava – erradamente – ao Jardim Zoológico e que eu fazia muitas perguntas sobre as jaulas. Por um lado queria muito vê-los, e por outro lado vinha sempre a chorar. Ele diz que um dia se distraiu para me buscar qualquer coisa, numa zona que tinha só uma divisória entre as jaulas e o lugar de onde as pessoas podiam ver – era uma divisória facilmente transponível, em ferro – e que quando olhou eu tinha passado e estava a fazer festinhas numa pantera”, conta.
Estas histórias – e há várias – mostravam o quanto Sandra gostava de estar com os animais. “Quando me perguntavam o que é que eu queria ser, eu dizia sempre que queria viver entre as baleias, que queria tratar das baleias. Era para aí que eu apontava. Nunca disse que queria ser médica veterinária, mas apontava muito para ir para junto dos animais. Até dizia que ia viver para ao pé dos animais em África”.
Não foi isso que aconteceu no início do seu percurso profissional. Mas acabaria por lá chegar. “Cresci, tirei Ciências da Comunicação e trabalhei em comunicação bastantes anos. Depois prossegui os meus estudos académicos na medicina veterinária – mas por uma necessidade já no ativismo e não por um chamamento”, explica.

E a necessidade veio precisamente pela vontade de poder fazer mais. A SOS Animal tinha nascido informalmente em 2004, e depois foi criada formalmente em 2007 – quando Sandra já tinha optado por esta via na faculdade, onde fez a licenciatura e o mestrado. “Eu já resgatava animais desde sempre, mas sozinha e de uma forma confusa. Não tinha noção do tamanho do flagelo que existia. A informação que eu tinha era muito parca. Como muitas outras pessoas, vivia numa bolha e não via que existiam esses problemas. De vez em quando aparecia um cão abandonado, aqui ou ali, mas dava para resgatar”, aponta.
Sandra diz que era também “daquelas pessoas que não percebia que não estava certo comprar cães”. Chegou mesmo a fazê-lo. “Uma das minhas cadelas foi comprada. Não fazia essas ligações, não era vegana, nada dessas coisas”. Até que tudo se foi compondo, como que num quadro que faltava terminar. “Um dia conheci um grupo de pessoas que também estavam a tentar criar uma organização. Na altura, era só um site onde divulgavam alguns animais para adoção daqui e dali. Juntei-me a essas pessoas e começámos então a pensar em criar uma organização – a SOS Animal –, que nasceu fisicamente em 2007”, explica.
“Ativismo estava muito focado em cães e gatos”
Aquilo de que Sandra se apercebeu foi que, quando entrou para o ativismo, “este estava muito focado em cães e gatos e no seu abandono”. E depressa a sua mente “começou a abrir”. “Comecei a perceber que não se podia defender uns enquanto se sacrificavam outros. Isso, para mim, foi uma coisa rápida. Para outros nem tanto”, explica.
“Mesmo quando havia um congresso, encontros, marchas, etc., eu percebia que as pessoas estavam muito afincadas a defender os direitos dos cães e dos gatos, mas muito pouco interessadas e alienadas para a defesa dos demais animais. Agora já não sinto isso. Mesmo nas associações de cães e de gatos já existe uma consciência de que não pode ser só para os cães e os gatos, os direitos têm que ser alargados a todos, e já é muito mais comum ouvir-se pessoas que presidem a organizações de cães e de gatos a defenderem os outros animais”, sublinha a médica veterinária.
Portanto, neste aspeto, Sandra diz ter notado uma evolução muito favorável. “Os animais passaram a ser vistos mais num todo, embora os cães e gatos sejam privilegiados porque são os primeiros com os quais as pessoas têm empatia. Mas os outros já começam a vir por arrasto: os touros, os zoo marines… e depois, no fim da linha, os desgraçados que servem para alimentação – e esses são os que as pessoas continuam a ter muita resistência porque têm olhar para dentro. E olharmos para dentro é sempre o mais difícil”.
Ainda assim, é essa a grande evolução que vê no ativismo. Mas também houve retrocessos. “Também me apercebi que há uns anos as pessoas eram mais sonoras – e muitas dessas pessoas começaram a entrar em partidos políticos, ou a assessorarem ministros aqui e ali, e a terem cargos governativos no próprio Governo, e esse ativismo desapareceu”, salienta.

Seja como for, “continua a haver muito esta coisa do ativista, de uma organização – como a SOS Animal – abolicionista, que não se verga, que quando tem que agradecer, agradece, quando tem de dizer muito ‘bem feito, parabéns’, diz, mas que quando tem que dizer ‘isto é inadmissível’, está lá e diz. E nada nos tem parado nesse sentido”.
Por isso mesmo, aponta, a SOS Animal “continua a ser uma organização non grata”. “Por exemplo, para ter uma ideia, nós em Lisboa não conseguimos ter uma conversa, uma reunião, nada, com a vereação que tem os cães e os gatos em Lisboa. E nós trabalhamos em Lisboa desde 2005. Na anterior vereação desenvolvemos muito trabalho com eles e com esta é impossível porque nos opusemos à escolha do Provedor [Pedro Emanuel Paiva].
“Nós opusemo-nos de uma forma democrática e explicámos por A+B, mas aquilo é tido como uma guerra e não como um ‘vamos lá ouvir o porquê, o que é que se pode melhorar, fazer melhor’. E nós queríamos. O canil de Lisboa está completamente lotado, tem feito um trabalho muito meritório desde que entrou para lá a Dra. Marta Vidal, mas a Dra. Marta não tem espaço. Há muitos anos atrás que aquilo já chegou ao fim”, aponta Sandra Duarte Cardoso.
A presidente da SOS Animal explica que a organização apresentou um projeto à Câmara Municipal de Lisboa, “ainda no tempo de Fernando Medina”, e que foi encontrado um espaço [Bela Flor] para concretizarem esse projeto. Só que não avançou. “Temos o encargo de trabalhos, o trabalho de arquitetura, tudo feito, mas a vereação mudou e aquilo está parado e ninguém quer saber. Pelo contrário, andam-se a mexer a ver se nos tiram o espaço que nos foi dado a alugar pela anterior vereação”, diz.
E o mesmo acontece com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), lamenta Sandra. “O ICNF, em vez de tentar beber da nossa experiência, de ver como é que nós estamos a criar o santuário, não o faz”. “Academicamente, tenho-me dedicado ao bem-estar animal, e em Portugal há poucos trabalhos ou nenhuns feitos nesta área. Não acontece. O que acontece é haver sempre problemas quando nós fazemos uma candidatura. Para ter uma ideia, não nos licenciam o nosso santuário”, sublinha, referindo-se ao espaço de 27 hectares da organização, em Santarém, onde residem 110 animais.
“Embora possa ser o mais educada possível e tentar sempre dizer que isto não tem nada a ver com as pessoas – porque tem a ver com o que se está a fazer, e a importância do que se está a fazer devia ter um peso muito maior –, as pessoas continuam a personalizar”, lamenta. O que, sublinha, “é um problema grave, porque isso não é sobre elas, é sobre o cargo que ocupam e sobre o que podem fazer melhor, tal como no cargo que eu ocupo posso fazer melhor e estou sempre a ouvir – e por isso é que vou muitas vezes às organizações internacionais para perceber como é que eles fazem e como é que eu posso melhorar e aprender. Porque estou sempre a fazer asneiras – e fiz muitas e vou fazer ainda muito mais –, mas estou aberta a esse espaço, porque isto não é sobre mim. Um dia sou eu, outro dia há-de ser outra pessoa qualquer. E espero que em breve seja outra pessoa qualquer”.
Animais que marcaram e que marcam Sandra
Para Sandra, todos os animais são especiais. E foram vários os que a marcaram para sempre, por diferentes motivos. Logo no início, quando começou a retirar animais do Canil de Lisboa, teve um caso que nunca esquecerá.
Nessa altura, explica, o Canil de Lisboa “era completamente fechado, ninguém sabia que aquilo existia, e então eu tentava levar os animais para as feiras de adoção – erradamente, porque não é melhor sítio para se promover a adoção responsável”. Mas sempre que tinha uma vaga, conseguia levar um ou dois animais do canil para sua casa – cuidava da sua recuperação, da esterilização e depois encaminhava para adoção.
Entre esses animais, houve uma cadelinha que conseguiu levar, mas que entretanto adoeceu. “Teve esgana, que na altura era o pão nosso de cada dia Ai, pedi ajuda ao canil e a colega do canil disse que ela então ficaria lá internada. E eu, como já era muito difícil fazer frente àquelas despesas todas, aceitei. No dia em que a deixei lá, ela olhou para mim com aquele olho de quem diz ‘vais-me deixar aqui, eu não vou sobreviver’ – e realmente não sobreviveu. Se eu a tivesse internado num hospital privado, a coisa poderia ter corrido de outra maneira. Essa ficou-me sempre na minha cabeça”.
“Houve outra cadelinha que também resgatei doente e com a qual fui, na altura, ao Hospital do Restelo. Quem a recebeu foi um colega muito jovem – e eu também jovem era – e ele disse-me que não havia muito mais a fazer, mas não me explicou bem o que aconteceria se eu a levasse para casa. Então deu-me a cadela para trazer para casa. Ela morreu-me nos braços em casa e isso foi horrível”, recorda.
Sandra tem muitos mais exemplos. “Tantos… os animais, todos eles, provam-me que esta coisa não é sobre nós, é sobre uma coisa maior. Eles estão sempre a passar-me essas mensagens”.
Quando fez o programa “À Descoberta Com” – em que viajava pelo mundo com uma figura pública do universo SIC para promover a conservação ambiental e a proteção da biodiversidade do planeta –, Sandra também viveu experiências incríveis com os animais. “No âmbito do programa, fomos aos Açores, Colômbia, Moçambique, México, Baja Califórnia, Quénia… e no Quénia há uma reserva onde estão as duas últimas rinocerontes brancas do Norte. Não há mais e eles têm feito grandes esforços com milhares de euros a tentar ver se conseguem ter mais, mas não estão a conseguir. São mãe e filha que vivem em regime selvagem, mas são guardadas 24 horas por dia por um exército por causa dos caçadores [para quem o corno é valioso]”.

O que ali viveu jamais esquecerá. “Ter conhecido as duas últimas rinocerontes brancas do Norte marcou-me para sempre. A mãe deixou-me sentir o bater do coração dela, e eu emocionei-me e deitei-me em cima dela. Ela deixou. E ouvir o coração de animal que está vivo, mas que está tecnicamente extinto… é uma coisa que nos desfaz, é uma coisa que nos deixa a pensar”.
Numa das vezes que foi aos Açores também viveu um momento inesquecível. “Os cachalotes nos Açores ainda têm memória da caça aos cachalotes. Não se chegam aos seres humanos. Noutros pontos do mundo os cetáceos chegam-se bastante aos seres humanos porque já não têm memória – por exemplo, no México, já não têm memória da caça. Mas nos Açores ainda têm, porque só deixámos de caçar nos anos 80. Portanto, eles ainda têm a memória e afastam-se o mais possível do ser humano”, explica. Mas consigo foi diferente e a experiência foi memorável.
Sandra estava num barco e sentiu-se enjoada. “Não tinha a mínima ideia de que estava grávida, estava muito enjoada e estava-me a custar muito. Pedi para desligarem o motor, para eu tentar recuperar um bocadinho, porque andava a mergulhar e a gravar. E quando estava deitada no barco, olhei para o profundo azul e na minha cabeça pensei ‘um sinal da natureza era vir um cachalote ter connosco”. E foi precisamente o que aconteceu.
“Veio um cachalote bebé ter exatamente à minha cara e eu deixei-me cair para dentro de água para interagir com ele. Os cachalotes têm um sonar muito, muito avançado. E ele, ou ela, andava muito junto ao meu abdómen. Eu estava tão excitada com o que estava a acontecer que não conseguia controlar a minha flutuabilidade. E reparei que ele estava muito junto ao meu abdómen, mas aquilo foi uma coisa tão forte que não conseguia raciocinar. Estava connosco o Norberto, que sai para o mar há 60 anos, e nunca tinha visto um cachalote chegar-se ao ser humano, interagir e tocar. Isso nunca tinha acontecido. E quando eu subi para o barco, passado um bocado, pensei nisso – será que eu estou grávida?”. E estava mesmo. Maria, fruto do seu casamento com o gestor Pedro de Sousa Bartolomeu, nasceria a 30 de junho de 2016.
Este foi, por isso, “outro animal que me marcou muitíssimo”, diz. “Aquela cria veio ter comigo, como quem diz ‘continua, nós precisamos que alertes aí às pessoas para não nos fazerem mal’”.
Cuidados veterinários solidários desde 2015
Sandra Duarte Cardoso bate-se também pelo acesso de toda a população aos cuidados veterinários dos seus animais. E em 2015 a SOS Animal inaugurou o primeiro Hospital Veterinário Solidário (HVS) em Portugal, agora Clínica Veterinária CVS SOS Animal, em Carnide – Lisboa, da qual é diretora clínica.
Esta clínica veterinária solidária está aberta ao público em geral, com condições especiais para os associados da SOS Animal. E, no âmbito social, a CVS tem como principais atividades recuperar e esterilizar animais abandonados, errantes ou vítimas de maus-tratos, fornecendo-lhes cuidados médico-veterinários e levando-os a famílias adotivas. E não só. Nesse mesmo âmbito social, presta assistência médico-veterinária a “animais tutorados por cidadãos comprovadamente carenciados, apoiando centenas de famílias com baixos recursos económicos”.
A clínica, que não tem apoio do Estado, está aberta ao público em geral, e são esses valores que permitem que haja uma tabela para carenciados e que se dê seguimento a centenas de animais que estão na tutela da SOS Animal.
Mas as frentes de batalha de Sandra Duarte Cardoso e da organização a que preside não se ficam por aqui.
Os animais na legislação – é preciso mais
Sobre a lei de 2014 que criminaliza os maus-tratos aos animais de companhia, que avançou após uma petição da organização ANIMAL nesse sentido (que reuniu mais de 40 mil assinaturas) – que já foi várias vezes considerada inconstitucional e que corre ainda o risco de cair definitivamente, se bem que pareça haver abertura dos juízes para não seguirem esse caminho –, Sandra conta que em 2013 esteve “extremamente e envolvida empenhada” na sua criação, mas que o resultado final já deixava adivinhar futuras dificuldades.
“Na altura, a Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) tinha um grupo de trabalho ao qual foi pedido para desenvolver e rever a legislação, bem como a proposta da legislação. O que estava proposto dizia respeito a cães e gatos, tendo sido feito nessa altura um grande trabalho com o Professor Gonçalo da Graça Pereira, com Laurentina Pedroso, que era então a bastonária e que é agora a Provedora Nacional dos Animais, mas também com outros médicos veterinários que tinham uma visão muito utilitarista – e têm – dos animais e que queriam fechar aquilo ao máximo com o medo da pecuária, com o medo da tourada, etc. E um dia tive um rasgo de se escrever ‘animal passível de ser detido pelo ser humano’, ou seja, no sentido de poder ser um animal de companhia da pessoa, isto para tirar o ‘animal doméstico’ e passar a ‘animal de companhia’. E aí já podia ser um porco, se fosse de companhia. Mas foi uma guerra para se conseguir aquilo”, conta.
Houve, nesse período, muitas reuniões. “Nós tínhamos contratado na altura um grupo de advogados e fez-se o levantamento da legislação nacional. Eu própria fiz um artigo científico sobre o facto de a nossa lei ser tão antiga, sendo por isso tão difícil fazer alterações. Percebemos que quando já havia montes de leis na Alemanha, em Inglaterra e até nos Estados Unidos – quando os colonos foram para lá, já havia leis de proteção dos animais –, em Portugal ainda não havia nada. Portanto, isto era uma coisa que vinha de lá muito de trás”.

Por fim, a proposta ficou pronta. Mas algo faltava. Quando nós a entregámos – e aqui a ANIMAL fez logo esta crítica muito bem feita –, o que aconteceu foi que aquilo era uma manta de retalhos e não estava bem organizada. Ou seja, o legislador não consultou devidamente os magistrados, etc., para eles dizerem ‘olhem, isto vai bater nisto, isto vai bater naquilo’. Ou seja, o legislador quis fazer uma coisa, e ainda bem, e consultou este, aquele e aqueloutro, mas depois faltou um apoio dos magistrados, do Ministério Público, para nos ajudarem. Na altura nós até tentámos envolver Raul Farias, que estava no Ministério Público, mas não houve uma concertação de cabeças para pensar aquilo de forma a blindar. Portanto, o que aconteceu depois [as várias declarações de inconstitucionalidade] foi sempre o medo que eu tive. E quando começou a acontecer, disse ‘pronto, aqui está’”.
“Infelizmente, a lei em Portugal é julgada de acordo com os valores dos juízes. Nós vemos isso muitas vezes com a violência doméstica. Portanto, isso transpõe muito para se o juiz é caçador, se o juiz gosta de tourada, se o juiz não tem nenhuma sensibilidade para os animais. Se o juiz achar – como muitos acham – que é impensável nós estarmos a dar senciência aos animais, embora a ciência já o tenha dado, vai pegar no que há para poder anular”.
Assim, aponta, “isto era uma bomba que ia acabar por rebentar. E na legislação em Portugal acontece muito isso: não se testa, não se pede, não se coloca à consideração, faz-se tudo muito em cima do joelho e infelizmente foi o que aconteceu. E nós, na SOS Animal, estamos fartos de perder casos e de os ver serem arquivados. O próprio Estado já quis que devolvêssemos dois animais fruto de negligência profunda e continuada: como o juiz achou que não havia matéria de facto, seria para devolver ao detentor – mas nós não o fizemos”.
Outro exemplo, conta, é o de “oito bois que andam em julgamento há oito anos”. “O Estado não contribui com um cêntimo para manter aqueles animais. E aqueles animais, para serem alimentados, custam 2.000€ ao mês. Como o Estado não quer saber, a única solução era serem abatidos. E fazem isso com os cães e os gatos, com os bois, com os cavalos, com todos os outros animais. O Estado não tem uma resposta, não tem estes casos como prioritários e então despacha e arquiva – e depois o que é que importa, não é?”
“A causa animal está muito fragmentada”
Questionada sobre onde se vê dentro de 10 anos, Sandra Duarte Cardoso fala sobre as muitas dificuldades com que ainda se depara. “Eu achava que chegava aos 60 anos e fechava a porta. Mas não sei se consigo chegar até aos 60 anos. Já tenho 44 e sinto que se calhar já não estou a dar tudo o que podia dar. Mas pode ser a desmotivação ou estes problemas todos que tem havido, o Ministério do Ambiente completamente a ignorar, a dificultar…”, explica.
Mas não só. “Também a causa animal está muito fragmentada… E estas criações da Provedoria Nacional e da Provedoria daqui, a Provedoria dali… e não se faz absolutamente nada”, lamenta.
“Mesmo academicamente, sinto-me muito sufocada porque tenho que explicar o básico dos básicos, como o facto de o bem-estar animal ser uma ciência dentro da medicina veterinária”, aponta. “Há pouco tempo fui defender o meu doutoramento – os arguentes eram especialistas da área, mas tinha três vogais que achavam que aquela matéria não era medicina veterinária”, diz Sandra.
“O bem-estar animal é, desde os anos 60, uma área da ciência da medicina veterinária e deveria ser das áreas mais importantes da medicina veterinária. Mas tive que estar a fazer uma guerra com os vogais e como eles eram do Conselho Científico Interno do ICBAS (Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar) chumbaram uma colega publicada, com artigos publicados, porque na cabeça deles aquilo não era bem-estar animal. Portanto, tenho que lá voltar, com outro júri, para defender o que já está provado pela ciência”, refere Sandra. “Estas coisas têm-me tirado alguma energia. E eu achava que se calhar até aos 60 anos conseguia dar mais e depois aí afastava-me e fazia todas as outras coisas que não tenho tido tempo para fazer”.
Mas há mais no horizonte. “Daqui a 10 anos espero ver o santuário organizado. Pelo menos, autossustentável”, diz. “Gostava também de ver a SOS Animal maior, mais profissionalizada, com departamentos de bem-estar, de legal, de comunicação mais robustos. A nossa equipa médica já é bastante robusta e essa área está muito bem estruturada, mas gostava de ter essa área mais estruturada e gostava de pensar em afastar-me para ser mais quem pensa e não estar tão na operação”.
Sandra gostaria de chegar a certa altura e ver outra geração a mostrar-lhe “como é que se faz”. “Queria poder perceber como é que outra geração pode lidar com os problemas da causa animal. Portanto, dentro de 10 anos gostaria de já ser mais a pessoa que está a observar – e se calhar até a aconselhar, mas também a aprender – do que estar tanto no campo operacional como tenho estado”.
Percorra a galeria e conheça um pouco mais de Sandra, dos seus animais e da organização que cofundou e à qual preside com a resiliência de quem sabe que faz falta.