Animais

Simão foi resgatado das chamas há 2 anos. Ainda hoje supera os traumas

Com o tempo, começou a soltar-se mais e "aprendeu a ser cão". É feliz e muito amado pela família que o ajuda a superar desafios.
Está a vencê-los com a família.

O número é impressionante e não nos sai da cabeça: 69 cães e quatro gatos mortos nas chamas. O grande incêndio de Sobrado, concelho de Valongo, rapidamente se alastrou aos concelhos de Santo Tirso e Paços de Ferreira, sendo dominado apenas dois dias depois. O calendário diz que foi em 2020. Parece já longínquo esse ano de pandemia, mas há quem não o esqueça mais. É que, dois anos depois, a contar com os animais resgatados que não resistiram, o número de vítimas subiu para mais de 100.

Já os que sobreviveram e tiveram a sorte de serem adotados, ainda hoje vivem com sequelas que parecem irreversíveis. Simão é um deles. O cão foi encontrado deitado num canto de um espaço onde “a sujidade de dejetos” se destacava.  “A voluntária que o resgatou estava de galochas e ficou suja até a cintura”, começa a contar à PiT Helena Figueiredo, a atual tutora de Simão.

Na altura, Helena estava em casa de baixa e já havia trabalhado como voluntária de várias associações e, por causa disso, juntamente com o amor que tem pelos animais, acompanhou “tudo muito de perto”. Poucos dias após o resgate, a tutora deparou-se com a primeira fotografia de Simão no Facebook. “Estava com um olhar catatónico, muito morto e ausente. Fiquei com um nó no coração”, recorda.

Apesar de já ter o cão Tobias em casa, a esta cuidadora decidiu adotar Simão. “Quem tem um, tem dois e achei que poderia fazer a diferença na vida dele”, diz. A 15 de agosto de 2020, ainda em recuperação de uma intervenção cirúrgica, Helena decidiu ir buscar o patudo na associação onde este estava: “Não resisti”.

Para acalmar Simão, a Helena conta-nos que a veterinária lhe deu um calmante para a viagem. “Fizemos cerca de 300 quilómetros num dia quente de agosto e ele esteve sempre debaixo do banco do condutor. Durante todo o tempo eu colocava a mão para ver se ele estava vivo”, partilha.

Quando chegaram a casa, a novela continuou:  “Achávamos que tínhamos que arrancar o banco para tirá-lo de lá”. Quando finalmente conseguiram, Simão escondeu-se no primeiro canto que encontrou na garagem da casa.

O seu primeiro dia em casa.

Teve de “aprender a ser cão”

A adaptação de Simão à nova casa não foi fácil. Por mais que Helena Figueiredo tentasse conquistá-lo, não conseguia. O cão só fazia as necessidades durante a noite “quando sabia que todos estavam a dormir”, raramente comia e dormia e só aconchegava-se nos cantos da casa. “Pensava que ele era mudo porque nunca ladrava”, recorda. “E realmente achei que não tinha conhecimentos de ajudá-lo a ultrapassar a situação que ele estava”, confessa.

Após várias análises e visitas ao veterinário, Simão acabou por ser diagnosticado com transtorno de espectro autista. “Não queria dopá-lo com medicamentos então recorri a todas as terapias animais”, partilha a tutora. Com a ajuda das consultas e todo o amor que Helena tinha para oferecer, aos poucos o patudo começou a soltar-se. Mas o processo ainda foi longo: “Ele demorou mais de um mês para sair dos cantos e mais de seis para circular pela casa”.

Além de Helena, outro membro da família foi essencial para a recuperação de Simão: Tobias, o irmão de quatro patas. O cão havia sido resgatado por uma associação e adotado por esta mulher antes da chegada de Simão. E assim como ele, também tinha um passado traumático. “Foi abandonado, amarrado numa árvore e maltratado”, conta-nos.

No seu primeiro dia no novo lar, Tobias conheceu o cão de um amigo de Helena. “Este encontro foi muito importante porque ele nunca teve liberdade. Então, quando ele via o cão saltar para o sofá, ele olhava para mim e olhava para o sofá à espera”, recorda. “Foi um processo de integração bastante fácil. Apesar dos maus-tratos, não estava tão traumatizado”.

Quando Simão chegou, Tobias parece ter-se lembrado do antigo “amigo” que o ajudou nos seus primeiros em casa, e fez de tudo para retribuir o que aprendeu. Mas desta vez, para ajudar o novo irmão. “O Simão aprendeu a ser cão com ele”, realça Helena.

A dupla hoje.

É feliz, mas de uma forma diferente

Hoje, Simão é feliz e tem uma vida quase normal. No entanto, por causa do diagnóstico que carrega, tem comportamentos diferente dos outros cães. “Ele odeia movimentos, barulhos, principalmente de carro, e também não gosta de parques caninos”, diz à PiT Helena Figueiredo. “No início ele também tinha mais medo de mulheres do que de homens, provavelmente pelo que deve ter passado no canil”.

O cão chegou a fazer terapia comportamental mas as consultas não duraram muito. “Ele não aceitava que ninguém lhe tocasse”, recorda. E apesar de atualmente já estar melhor, ainda não se sente confortável com outras pessoas. Quando Helena recebe visitas, Simão tende a ignorá-las e até evita o contacto visual.

Nas redes sociais, Helena está constantemente a partilhar o dia-a-dia do patudo “para todos os ‘Simões’ que não tiveram a mesma oportunidade de adoção e reabilitação”. Além disso, procurou ajudar também outras pessoas. “Houve várias pessoas que adotaram animais de Santo Tirso que me ligaram a pedir ajuda para eles perderem o olhar morto”.

Com “muito amor, paciência e dedicação”, Simão sente-se mais confortável para fazer tudo o que tem vontade. “Ele adora correr na garagem e é muito esperto, quando mete alguma coisa na cabeça faz de tudo para realizá-la”, diz a tutora, orgulhosa. Diariamente, o cão ultrapassava novos desafios. Sempre com a ajuda dos tutores e do irmão. Juntos, são inseparáveis.

Dois anos após a tragédia, o processo-crime que reúne várias queixas sobre o incêndio continua “sem resposta”, de acordo com declarações do advogado Pedro Ribeiro de Castro à Lusa e citado pelo jornal Observador. O processo tem como alvo Alberto Costa, o presidente da Câmara de Santo Tirso, elementos da GNR local, Proteção Civil de Santo Tirso, Jorge Salústio, o ex-veterinário municipal e as proprietárias dos abrigos ilegais. Em julho deste ano, o partido Pessoas–Animais–Natureza (PAN) organizou uma vigília em frente ao Tribunal Judicial da cidade.

Percorra a galeria para conhecer a nova vida de Simão.

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