Quando o telefonou tocou, naquele dia, nada me prepararia para o que dali viria. O que pensava que era uma conversa cordial entre amigos da causa tornou-se num apelo desesperado de ajuda. Os gritos embrulhados com os soluços do choro quase não me deixavam entender o que me dizia…
— Fala devagar Ana… Que aconteceu?
— Ele vai perder a pata, Carlos. Há sangue por todo o lado. Ele está a sofrer tanto…
— Calma Ana. Vai correr tudo bem… O Snoopy vai ficar bem.
Existem animais que parecem ter um trilho cheio de paragens pelo sofrimento antes de chegar ao porto de abrigo que tanto precisam e merecem. O Snoopy foi um deles.
A crueldade do mundo depressa se fez conhecer a este rafeirinho que começou a sentir o amargo da vida logo à nascença. Fruto de uma ninhada indesejada viu o seu lugar no mundo adiado por várias vezes até ser resgatado por uma associação. Pelo caminho soube o que era ser preterido quando todos os irmãos foram seguindo caminho ficando ele para trás.
Os humanos nunca foram um problema para o Snoopy, estando sempre pronto para receber um carinho. Com os outros cães a conversa já tinha outro tom. Snoopy era um cão alfa e quando se deparou com outro como ele estávamos perante um rastilho de pólvora que ansiava por uma faísca que não demorou a aparecer.
Apesar de todos os cuidados dos supervisores, acabaram por se envolver numa disputa por comida. O corpo imponente do outro não deu tréguas ao pobre Snoopy, que acabou por ficar com uma das suas patinhas comprometida.
A presidente da associação era a sua tutora e viu naquela situação um desafio para ambos: sendo uma pessoa que se emocionava e entrava em pânico facilmente perante situações de animais mal tratados, teve de superar os seus receios e ganhar coragem para ajudar o Snoopy.
O medo que a assolava deu lugar à coragem para o levar para a clínica mais próxima, onde foi necessário ajudar nos exames e na medicação perante um Snoopy debilitado. Quando a cirurgia foi iniciada, Ana viu-se invadida com um sentimento de culpa e a sentir-se responsável por tudo. Quando soube que, alguns dias depois, após várias tentativas falhadas, seria necessário amputar uma das patas esse sentimento tornou-se avassalador.
As dúvidas de como seria a vida deste cão sem uma pata, que qualidade de vida teria com esta incapacidade, como iria sobreviver, encontraram resposta poucos dias depois da cirurgia. O Snoopy provou que que era capaz de tudo como se continuasse com as suas quatro patas.
Corre, e brinca normalmente, continua a dar beijinhos a quem o cumprimenta e demonstrou aos seus tutores e a todos os que o encontram que o que importa é estar vivo e as barreiras são ultrapassadas com forças que nem sabemos que temos.
Atualmente o Snoopy tornou-se um exemplo de sensibilização percorrendo escolas, lares e associações em atividades de sensibilização. Desde que perdeu a patinha a sua vida ganhou uma nova realidade que ele abraçou com força de vontade e mostra a crianças, idosos e todos os que se cruzam com ele que o sorriso nunca perdeu a força.
Para ele, é apenas mais uma oportunidade de receber aquilo de que mais gosta: carinhos.
O que ele não sabe é que a sua história é contada, recontada e replicada vezes sem conta, ensinando às crianças a importância de usar uma trela nos animais, o cuidado a ter antes de ir fazer uma festinha a cães que não conhecem e a mostrar como um animal pode ser feliz com uma nova condição, adaptando-se a essa nova realidade deixando o passado para trás.
Se o Snoopy o pode fazer, se todos os animais que perdem uma parte de si por acidentes, doenças e infortúnios e conseguem erguer a cabeça para ver o caminho que ainda tem pela frente será que nós, humanos, não conseguiremos seguir esse exemplo?
De seguida, carregue na galeria para saber mais sobre Snoopy.
AMIGOS PARA SEMPRE by Carlos Filipe é uma rubrica quinzenal da PiT, em que o fotógrafo Carlos Filipe, amante da causa animal, partilha com os nossos leitores o que viveu com os cães que fotografou e com quem privou. “Cães imperfeitos”, esquecidos pelo tempo e desprezados por quem quer adotar, por serem velhos ou doentes e exigirem cuidados.