A vida de uma associação de defesa animal raramente tem dias tranquilos. Há que fazer constantemente contas, numa tentativa de equilíbrio entre os apelos diários para animais a precisarem de ajuda, o espaço onde os acolher e as despesas crescentes – em alimentação, cuidados veterinários, produtos de higiene e muitos outros. A acrescer à dificuldade, há cada vez menos mãos disponíveis. É este o caso da SOS Animais de Nelas, no distrito de Viseu, que vive momentos difíceis.
“A vida dos voluntários é sempre a correr de um lado para o outro. Temos que nos dividir entre a família, trabalho e a nossa causa – causa esta que não nos dá sossego, ainda para mais nesta altura de férias, de ninhadas constantes, aumento de pedidos de ajuda, fase crítica do abandono dos animais, menos recursos humanos, etc.”, diz à PiT a presidente da SOS Animais de Nelas, Patrícia Borges.
As maiores necessidades “são sempre as mesmas”, explica. “Comida e ajudas financeiras, pois as contas não se pagam com ração e há sempre muitas despesas associadas ao acolhimento dos animais – isto porque muitas pessoas pensam que eles só comem… ok, sim, comem, e a ração faz falta, mas também ficam doente e feridos. A maioria dos animais resgatados acarreta despesas médico-veterinárias, e por vezes muito elevadas. Além disso, são as vacinas, desparasitar regularmente, esterilizar, chipar…”.
A falta de espaço “também é sempre um problema, porque este não estica. E com a redução drástica de adoções, reduz-se obviamente a nossa capacidade de resgatar”, aponta Patrícia. Mas a falta de mãos é mesmo o problema mais urgente.
“Neste momento, a maior e mais desesperante lacuna é de recursos humanos, ou seja, voluntários. Cada vez é mais difícil. As pessoas, mesmo que tenham vontade de ajudar, não querem ter esse compromisso/responsabilidade… preferem ajudar pontualmente e isso não mantém uma associação que diariamente tem de tratar e cuidar dos seus animais”, diz a presidente da associação.
Nas situações em que surge um cenário de emergência, essa falta sente-se ainda mais. Felizmente, no mais recente caso, que envolveu o incêndio que rodeou a vila de Nelas no passado dia 23 de agosto, a solidariedade da população evidenciou-se.
Os passos da associação de Nelas em caso de incêndio
“Quando surgem situações de desespero total, como a de um fogo a aproximar-se do abrigo – abrigo esse que em parte está rodeado por mato, mato por limpar, apesar dos inúmeros apelos – é muito desgastante”, diz Patrícia Borges. “Já tivemos o fogo em 2017 por duas vezes à porta do abrigo, e numa delas chegou a entrar lá dentro… sustos horríveis que nos levam atempadamente agora a evacuar com uma maior antecedência sempre que possível, pois já presenciámos a bem rápida evolução de um incêndio quando as condições são favoráveis. É desolador só de imaginar que o mesmo possa destruir aquelas vidas que por quem já demos muito das nossas”.
Por isso mesmo, a associação tem plano A, B e C para estes casos. E no incêndio de 23 de agosto – que felizmente já estava em fase de resolução no dia seguinte – os voluntários nem pensaram duas vezes e apelaram à população para que ajudasse a acolher os seus animais. A resposta foi muito favorável e todos ficaram em segurança.
Importa recordar que os fogos não deflagram apenas com as temperaturas mais altas. Neste sábado, 2 de setembro, uma trovoada provocou um incêndio em Viseu, tendo os operacionais sido apoiados por quatro meios aéreos no combate ao fogo – entretanto extinto.
“No abrigo onde procedemos à evacuação a 23 de agosto temos neste momento 40 animais, todos eles cães. Os gatinhos – poucos, porque não temos gatil – estão noutro espaço. Não evacuámos todos, uma vez que o fogo mudou de direção e começou a afastar-se. A noite caiu, a temperatura desceu e a probabilidade de mudar era muito reduzida. Os bombeiros deram o fogo como controlado e a proteção civil, na pessoa do senhor presidente da câmara, garantiu que já estávamos em segurança. Por isso, achámos por bem evacuar só os animais que estão em boxes, tendo ficado os dos parques, uma vez que são poucos e seriam retirados rapidamente se a situação mudasse”, explica a presidente da SOS Animais de Nelas.
E que conselhos dá a associação a todas as pessoas, em caso de incêndio? “Aconselhamos a soltarem os animais quando não tiverem hipótese de os levar para um local seguro. Infelizmente, em 2017 muitos animais morreram carbonizados, presos a correntes, sem hipótese de fugirem. Já sem falar noutros animais, como ovelhas, cavalos, etc… fechados em espaços. Se não houver tempo de evacuar, libertá-los é dar-lhes uma hipótese de se salvarem. Alguns poderão não conseguir, mas presos ou fechados é que não vão mesmo sobreviver”, sublinha.
Manter o sangue frio é igualmente importante. “Nestas situações, manter a calma também é fundamental, para se poder pensar e orientar as coisas em segurança. É tão importante para nós como para eles, porque se estivermos nervosos e em stress, os animais sentem tudo e ficarão também – o que poderá pôr em causa por vezes a evacuação”, diz Patrícia Borges.
Por outro lado, “quem tem um número considerável de animais, como as associações, deve ter já estratégias bem definidas de como atuar e prevenir os outros voluntários para estarem preparados e atentos caso sejam necessários. Ou seja, ter um plano de evacuação minimamente estruturado”, recomenda.
“No nosso caso em concreto, como somos voluntários, nem todos estavam disponíveis, ou porque estavam de férias ou a trabalhar, e outros a salvar os seus próprios bens. Quando é assim, apelamos à ajuda extra da comunidade através dos apelos nas redes sociais e funciona sempre muito bem. Temos que ter sempre um voluntário só a gerir essa parte, porque começam a surgir imensos contactos, enquanto outros preparam os animais para a sua retirada e outros agilizam os transportes e espaços a acolher”, explica a presidente da associação.
SOS Animais de Nelas sempre a postos
Mas a estratégia da associação não se fica por aqui. “Também temos um plano B caso não haja tempo de evacuar: concentrar todos reforços no local, molhar tudo ao máximo, encher tudo o que se tenha com capacidade de levar água e colocar mantas húmidas por causa do fumo. Temos inclusive máscaras e lanternas no abrigo”.
“Também temos um plano C que só será, obviamente, colocado em prática no limite, quando não houver nenhuma outra hipótese, e que esperamos que nunca seja necessário. Para o caso de termos de fugir, é abrir todas as portas do abrigo e soltar os animais para se tentarem salvar, mesmo que sozinhos. Temos quase a certeza que este nunca será necessário, uma vez que dentro do próprio abrigo o espaço é seguro, mas nunca devemos subestimar a força e fúria da natureza”, frisa Patrícia.
E é assim, com planos e estratégias bem definidas, e com voluntários que se desdobram para que nada falte aos animais acolhidos, que a SOS Animais de Nelas vai seguindo o seu caminho. Se puder ajudar presencialmente e de forma constante, não hesite e contacte a associação. Se não puder ser voluntário e conseguir ajudar a suprir outras necessidades, tudo faz falta.
Percorra a galeria para conhecer melhor a associação e os animais que residem no abrigo, à espera de serem adotados.