Animais

Susana deixou a engenharia civil pelos animais. Agora é veterinária e vive por eles

Trabalhou quase uma década como engenheira, mas, aos 38 anos, seguiu o coração. Hoje, tem a própria clínica no Porto.

Susana Flores sempre soube o que queria ser quando crescesse. E apesar de a vida ter tido outros planos, levando-a para engenharia, não desistiu do sonho de cuidar de animais. Aos 38 anos, concluiu o curso de medicina veterinária e hoje, aos 46, tem a própria clínica, a Flores Vet. Além de também fazer visitas ao domicílio, em Gondomar, no distrito do Porto.

“Quando era mais nova não estava a pensar em ir para engenharia, tinha a ideia de tirar o curso de medicina e cheguei a entrar em veterinária”, começa por contar à PiT. “Mas era uma altura que aqui em Portugal, a veterinária estava muito ligada aos animais de quinta e para mim não fazia muito sentido. Por isso, acabei por ir para engenharia porque gostava muito de contas e cálculos, e achei que ia me dar bem naquilo”. E estava certa.

Apesar de ter começado em engenharia mecânica, resolveu mudar para a civil e aos 26 anos, terminou o curso. Mas admite: “Sempre tive muitas dúvidas à medida que o ia fazendo”. Ainda assim, com o diploma completo, resolveu seguir a carreira e foi trabalhar na construção da autoestrada A7, em Fafe, no distrito de Braga.

“Tinha um estaleiro e nós dormíamos lá, em casas que alugavam para nós. Era engraçado, eu era nova e achava piada aquilo. Eram os bons tempos da engenheira em que se vivia e pagava-se bem”, recorda. A paixão pelos patudos, porém, nunca a deixou — e eles também não. Em todas as obras que trabalhava, “havia um monte de cães” e Susana cuidava de todos.

“Sempre os alimentava e trazia restos de casa. Na altura comecei a pensar em ir para a veterinária mas tinha 27 anos e achava que era muito tarde”, diz. “Mas houve uma daquelas coisas que nos pica, quando um topógrafo já mais velho disse-me assim ‘Oh engenheira, por que não vai para veterinária?’ e eu dizia que já era tarde para mudar e ele insistia. E comecei a pensar nisso”. 

A vida de engenheira civil.

Em busca do sonho

Os cães não eram os únicos animais sob os cuidados de Susana Flores. A engenheira chegava a acolher vários gatos de rua e levava-os para serem esterilizados. “Era algo sempre muito presente em mim, eu andava sempre bastante envolvida com os animais”, conta à PiT. Aos 30 anos, resolveu seguir a paixão que carregava desde miúda.

Mais uma vez, concorreu à universidade pelo sistema português, mas por achar “muito difícil”, resolveu também tentar em Espanha. “Trabalhava a semana toda e aos sábados, ia fazer aulas de espanhol”, recorda. “Entrei em Espanha e comecei logo a pensar que ia mudar a minha vida toda, mas por sorte entrei em Portugal também”.

Natural do Porto, Susana entrou num curso em Lisboa e lembra de “não ser fácil” estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Chegou a deixar a engenharia por um ano, mas foi chamada novamente depois de um tempo e resolveu voltar. “Apesar de não ser o sonho da minha vida, ia me dando bem naquilo. Fui fazendo o curso e metia dias de férias para ir aos exames porque na altura não tinha coragem de dizer aos meus chefes porque iam achar que eu era maluca”, diz.

Com o tempo, conseguiu transferir o curso para o Porto e lembra que “tudo ficou mais fácil” pois conseguia ir nas aulas durante o almoço ou pela manhã. “Claro que nunca podia frequentar as aulas como um aluno normal porque eu trabalhava. Mas como tinha alguma flexibilidade, conseguia sempre fazer alguma coisa”, conta.

Em 2011, aos 35 anos, resolveu deixar as obras de vez. No mesmo ano, o curso de veterinária ainda estava “a meio”, mas chegou numa altura que “exigia mais dedicação”. Na altura também ficou grávida e deu à luz gémeas. “Consegui dedicar-me mais as aulas e terminei em 2014, quando comecei o estágio”, diz.

Apesar de achar que “já entrou tarde” na carreira, a veterinária não escondeu a alegria. “Fiquei muito contente porque foi um grande objetivo atingido”, recorda.

Após concluir o estágio, Susana começou a fazer substituições para colegas que não estavam disponíveis ou que iam de férias. Em seguida, começou a trabalhar a part time em clínicas, até que houve uma altura que decidiu começar a investir nas visitas a domicílio.

“Comecei a fazer isso quando ainda não se falava em visitas a domicílio”, realça. “Era muita pouca gente a fazer, e era uma coisa ainda estranha para as pessoas que ainda não entendiam muito bem”, acrescenta.

Aos poucos, a veterinária foi “desligando-se” das clínicas e focando cada vez mais na carreira individual. “Tive muitas ajudas de colegas médicos veterinários. A Clínica Veterinária da Boa Nova, por exemplo, é de um grande amigo meu que tem me ajudado e apoiado sempre muito. Ainda hoje tenho algumas parcerias com base na amizade e nas pessoas que achavam piada chegar aqui [na medicina veterinária] dessa forma”.

Há cerca de um ano, Susana realizou mais um sonho: abrir o próprio consultório em Gondomar. No entanto, não deixou de lado as visitas a domicílio. Pelo contrário, é um dos principais serviços que oferece.

“Aprendemos a lidar com a vida e a morte de uma forma diferente”

Não é novidade que diariamente os médicos veterinários lidam com a vida e com a morte de vários animais. Há dias difíceis, bons e outros em que tudo se mistura. E para Susana, a rotina apesar de difícil, está bem integrada no dia a dia.

“Nós vemos muito de tudo e acabamos por aprender a funcionar como um médico da moda antiga. Aprendemos a lidar com a vida e a morte e o que ambas valem de uma forma diferente”, frisa à PiT. “A visão que tenho, e digo isso muitas vezes aos tutores, é que a vida não vale nada, porque conseguimos tirá-la num instante com uma eutanásia”, sublinha.

A veterinária acrescenta que “cada vez mais” tem “dificuldades” em aceitar a eutanásia, frisando que acha que esta só deve ser feita quando todos os outros meios já se esgotaram.”É uma coisa muito difícil mas eu faço e vivo bem com isso. Não fico com peso na consciência porque só faço aquelas que concordo. Ainda assim, não gosto de a fazer mesmo quando sei que é para o bem dos animais”, diz.

Por outro lado, percebe que, em vários casos, muitos tutores não têm condições financeiras para prosseguir com os tratamentos disponíveis. “Há muitas pessoas que não querem tentar, ou porque simplesmente não querem ou porque a vida delas naquele momento está muito complicada e de repente olham para o animal e acham que é melhor terminar ali”, partilha. “São coisas que me custam um pouco porque acho que a prioridade tem de ser o animal e não temos o direito de o tirar a vida se há oportunidades”.

Além disso, a veterinária alerta para o estado emocional dos tutores. “Há uma parte técnica muito associada a prática da eutanásia que é confirmar que o cateter está no sitio certo, que está limpo e tudo mais. Ao mesmo tempo, temos de lidar com as emoções dos tutores em cima de nós. Temos de nos desligar um pouco e focar-se no animal e só depois lidar com os responsáveis”, realça. 

A médica está no momento a concluir um doutoramento em insuficiência renal crónica em cães e gatos.  E em casa, partilha o dia a dia com as cadelas Lua e Kika e vários gatos. Mas no consultório, é Nita que é homenageada no logo do espaço. A cadela foi resgatada numa obra em que Susana trabalhou e morreu há cerca de dois anos, aos 18. “É a cadela do meu coração”, sublinha.

A viver como sempre sonhou, Susana acha difícil escolher aquilo que mais gosta na profissão. Mas para a veterinária, não há nada mais gratificante do que o sentimento de ajudar tantos animais. “Isso é algo que me dá muito satisfação. Gosto muito das pequenas coisas e de conseguir ajudá-los”, frisa.

Carregue na galeria para conhecer um pouco do dia a dia de Susana.

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