O matador de touros Pedro Roque Silva, conhecido como Pedrito de Portugal, está sob acesas críticas por parte dos defensores da causa animal, onde se incluem o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), o grupo Intervenção e Resgate Animal (IRA), associações e muitas figuras públicas. Isto a propósito das declarações polémicas do toureiro no podcast “Geração 70”, da SIC Notícias, difundido a 6 de setembro também no jornal “Expresso”.
Uma das declarações que mais tem sido criticada é a de que “os animais não têm deveres, por isso também não têm direitos”. Mas não só. O toureiro e matador afirmou que o PAN paga 25 euros a cada manifestante nos protestos junto à Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa, e afirmou que o touro não sente dor – o que levou o PAN a emitir em comunicado, lamentando as “mentiras” e “ausência de fundamentação científica”.
No podcast, conduzido por Bernardo Ferrão, diretor-adjunto de informação da SIC, quando questionado sobre os direitos dos animais, Pedrito de Portugal é perentório: “Isso dos direitos é relativo, porque entendo, como cidadão, que para haver direitos tem de haver deveres e os animais não têm deveres. A partir daí, os direitos são questionáveis”.
O matador de 48 anos, que obteve a licença de toureiro profissional aos 15 anos, considera também que não há a crítica às touradas, de que tanto se fala, da sociedade em si. Sobre o facto de haver sempre protestos de cada vez que há uma tourada no Campo Pequeno, Pedrito de Portugal, acusou o PAN de ser o mentor dessas manifestações: “O PAN tem de demonstrar trabalho. E todas as pessoas que lá estão cobram 25 euros para lá estar. Se fosse grátis, se calhar não estariam”.
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À pergunta sobre se acha questionável o direito do animal de poder viver sem sofrimento, Pedrito de Portugal disse que podia afirmar, cientificamente, que o touro não sofre. “Não sofre porque todos os seres vivos têm três elementos químicos no organismo: endorfina, glucose e adrenalina. Numa situação de confronto, de alto stress, os militares, por exemplo, muitas vezes são baleados e nem percebem, não sentem. Não sentem porque o elevado grau de adrenalina faz com que a segregação da glucose, que é o alimento do músculo, leve o ser humano a fazer coisas que numa situação normal não faria. E muitas vezes nem se lembram que o fizeram”.
Depois, prosseguiu: “temos o anestesiante natural que é a endorfina. A partir do momento em que existe um corte, um sangramento, numa situação de alto stress em que os níveis da glucose e adrenalina estão nos níveis máximos, automaticamente não existe sofrimento, porque não existe dor. Essa é a justificação tanto para um ser humano como para um animal. Com a vantagem de que a massa-volume de um animal de 500 quilos não é a mesma de um ser humano. Já tive seis cornadas e não morro de dor”.
Questionado sobre se as cornadas não são “uma resposta do próprio animal a ser picado numa praça de touros para gáudio de centenas de pessoas a aplaudirem aquele sofrimento público”, o matador frisou que não se trata de ver sofrimento. “As pessoas não vão a uma praça de touros para se alegrarem e terem satisfação pelo sofrimento do animal. Não estamos a falar dos gladiadores da época romana. Estamos a falar de uma arte em que o toureiro põe a sua vida em risco e o animal está a cumprir a sua missão. Não existiria a espécie touro bravo se não existissem as corridas de touro, então temos de calibrar o custo-benefício”.
Sobre o interesse que pode ter um espetáculo como a tourada, o matador sublinhou que o touro bravo é uma espécie criada unicamente para ser toureada. “Mas pode ser só um animal, sem ter que ter um objetivo?” – a essa pergunta, Pedrito de Portugal referiu que já se teria de remontar ao século XIII, quando se iniciaram as corridas: “isso tem também a ver com a aspiração e a determinação do ser humano de impor a sua capacidade, neste caso a inteligência, sobre a massa bruta de um animal”.
“Enquanto Deus entender que a tauromaquia tem um benefício, seja ele qual for, para a sociedade, vai continuar a existir. Quando não for assim, acaba naturalmente como acabou o Muro de Berlim”, disse ainda.
PAN reage: “É falso que o touro não sofre”
Perante todas estas declarações, o PAN reagiu em comunicado, dizendo que Pedrito de Portugal “fez acusações graves, que não correspondem à verdade”. “O matador difundiu informação sem qualquer sustentação científica, para além de mentir e desrespeitar o trabalho realizado na promoção do bem-estar animal pelo PAN e por outros ativistas da causa animal”.
No comunicado, o PAN faz os esclarecimentos que considera devidos, elencando-os em quatro pontos, nomeadamente que “é absolutamente falso que as manifestações em frente ao Campo Pequeno são promovidas pelo PAN por puro negócio e que cada manifestante recebe 25 euros para participar nas mesmas”; e “é falso que o touro não sofre nem sente qualquer dor durante uma tourada. Esta afirmação nega um consenso existente na comunidade científica, que reconhece a senciência dos animais e a sua capacidade de sentir dor e de sofrer, quando sujeitos a agressões como as que são infligidas numa corrida de touros”;
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“O matador de touros utilizou ainda o argumento de que a política deve respeitar as finanças públicas e criar políticas de bem-estar e melhoria da qualidade de vida dos cidadãos para advogar que não se pode utilizar a tauromaquia para fins políticos. Ora, a defesa do fim da tauromaquia é uma política de bem-estar, na medida que, para além das inúmeras petições da sociedade civil que reivindicam uma maior proteção dos animais e a abolição da tauromaquia, um estudo de 2020 publicado na revista científica ‘Animals’ revela que 67% da população portuguesa não concorda com a realização de touradas”, afirma o PAN, que na sua conta de Instagram sublinha que a tauromaquia recebe 19 milhões de euros anualmente em apoios públicos.
O partido reitera ainda que “defende a abolição da tauromaquia, colocando-se do lado da defesa e proteção dos animais”. “Continuaremos a defesa das nossas causas, reconhecendo o trabalho das associações e ativistas, apresentando propostas e desmascarando os argumentos falsos daqueles que continuam a justificar o injustificável: a tortura de um animal numa arena”, remata.
“Isto já não vai lá com manifestaçõezinhas”, diz IRA
Também o grupo Intervenção e Resgate Animal (IRA) se pronunciou contra as declarações de Pedrito de Portugal. “O lobby da tauromaquia entende que os animais não têm direitos. O lobby da tauromaquia é constituído por diversas forças políticas que governam o nosso país. A partir daí, o que está a acontecer com os animais em Portugal é tudo menos surpreendente e aceitável”, escreveu no Instagram.
“Afirmámos e voltamos a fazê-lo: a inconstitucionalidade da lei que criminaliza os maus-tratos vem em boa hora para absolver o João Moura”, frisa o IRA na mesma publicação, aludindo ao cavaleiro tauromáquico a quem, em 2020, foram apreendidos 18 galgos na sua propriedade em Monforte (Portalegre), por alegados maus-tratos (os 17 sobreviventes foram todos adotados). Os animais de João Moura estavam num avançado estado de subnutrição e o processo culminou no início de 2022 com a acusação ao toureiro de 18 crimes de maus-tratos por parte do Ministério Público – estando o início do julgamento previsto para o dia 18 deste mês.
“Sabem quanto dinheiro foi gasto dos nossos impostos pelas autoridades policiais para conseguirem intervir e investigar crimes, remetendo para o Ministério Público? Depois serem julgados e condenados em primeira instância, para agora virem ser todos absolvidos com recurso ao Tribunal Constitucional? Sabem quantos criminosos vão sair impunes de crimes hediondos e horrendos, obrigando as associações a devolverem os animais que sobreviveram aos seus antigos agressores? Há noção disto ou andamos completamente a leste da gravidade do que se está a passar? E isto já não vai lá com manifestaçõezinhas…”, diz ainda o IRA – que organizou a manifestação de 21 de janeiro em Lisboa, que juntou cerca de 40 mil pessoas contra o facto de a lei que criminaliza os maus-tratos a animais desde 2014 estar em vias de se tornar inconstitucional.

Figuras públicas também se insurgiram contra Pedrito de Portugal
Foram muitas as figuras públicas que não deixaram passar em branco as declarações de Pedrito de Portugal. A atriz Rita Pereira foi uma delas – “A solução é tão simples: se já levou seis cornadas, já teve as pernas abertas e não morreu de dor, troque de lugar com o touro na próxima tourada”, escreveu na caixa de comentários da publicação do “Expresso”, no Instagram, relativa a este podcast.
Na mesma caixa de comentários, a ex-apresentadora televisiva Leonor Poeiras manifestou-se com um “vergonha alheia” e a comunicadora Raquel Strada deixou um emoji insatisfeito. “Acordei, vim ao Ig, e parece que viajei no tempo para 1800 ou assim”, comentou, por seu lado, o humorista Diogo Faro. Já a atriz Jessica Athayde pronunciou-se numa story da sua conta de Instagram: “Estupidez humana ao mais alto nível”, escreveu.
Entre muitas outras caras conhecidas que se manifestaram contra as ideias de Pedrito de Portugal estiveram o cantor e ator Ricardo Soler, a ilustradora Clara Não, o artista plástico Bordalo II, a atriz Benedita Pereira e o ator Filipe Vargas.
Também Sandra Duarte Cardoso, presidente da SOS Animal, deixou a sua impressão: “Cientistas que são referências mundiais têm provado através da ciência que todos os animais sofrem e obviamente o bovino não é excepção. Mas eis que vem uma mente brilhante sem formação académica que, atendendo às cornadas que levou, consegue dizer que o animal não sente. Estranhamente desmaiou várias vezes na arena, mas deve ter sido da maçada e não de dores”.
Lisboa pode vir a ter santuário para touro bravo
Recorde-se que o Provedor Municipal dos Animais de Lisboa, Pedro Emanuel Paiva, que considera que as touradas são uma “pura barbárie”, apresentou em julho passado uma recomendação à Câmara Municipal de Lisboa para que o município procure iniciar um diálogo com a Casa Pia de Lisboa com vista a acabar com a obrigatoriedade de realização de espetáculos tauromáquicos na Praça de Touros do Campo Pequeno.
Nessa recomendação é também proposta a criação de um santuário do touro bravo como medida de proteção e preservação deste animal. E a ideia é que esse santuário seja criado no município de Lisboa, sendo colocada em cima da mesa a possibilidade de, através deste santuário, se “originar um novo conceito económico” – e isto em cooperação com a Reserva Del Toro Bravo, fundada pelo empresário português Miguel Aparício.
O Animal Namigni foi o primeiro santuário fundado por Miguel Aparício na Colômbia, tendo influenciado depois a criação da Reserva del Toro Bravo, e conta com mais de 400 animais. Destes, mais de 100 são bovinos de diferenças raças. Percorra a galeria para conhecer melhor este santuário e os animais que ali vivem.