O aluno que se tornou viral após se “identificar” como um cão é, afinal, uma aluna que garante que a afirmação é falsa. Mariana (nome fictício, uma vez que a aluna pediu anonimato por questões de segurança) pertence a comunidade furry e partilha que tem vivido um pesadelo após ter tido fotografias e vídeos seus partilhados nas redes sociais e posteriormente em vários medias nacionais, incluindo a PiT.
“Nas aulas eu era respeitada, os professores não se incomodavam, pois sempre fui uma boa aluna, estou sempre a tomar notas e fico sentada na frente porque odeio ter alguém a bloquear a minha visão do quadro. Se as orelhas entravam na frente dos alunos atrás de mim, retirava-as durante a aula”, começa por contar em declarações exclusivas à PiT. “Quando os primeiros tweets a acusar-me de me identificar como um cão e os videos ilegalmente tirados começaram a aparecer a minha situação mudou completamente”.
Mariana, que é aluna no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), partilha que desde que o seu hobby veio à tona, os colegas da faculdade e de outras instituições vizinhas começaram a rir de si sempre que a viam, sendo que alguns chegavam mesmo a ladrar em sua direção. Na rua, a situação não é diferente — aqueles que a reconhecem fazem o mesmo.
A jovem de 22 anos conta-nos que teve ainda o seu número privado divulgado por colegas de turma, o que piorou a situação. Já a sua página de Instagram, que é privada e terá sido também divulgada por conhecidos, recebeu “mais de 300 pedidos de seguidores” nos últimos dias.
“Estou a receber chamadas frequentes de números privados. Ao atender, é sempre alguma ameaça de violência ou alguém a ladrar e desumanizam.me por ‘me identificar como cão’ quando nunca proclamei algo do género. Até hoje fortemente afirmo que isto não é o caso, mas os comentários de que penso ser um cão, de que como ração de uma tigela no chão e de que tenho algum problema mental continuam”, lamenta.
Conheceu a comunidade furry em 2015
Foi através de uma amiga que Mariana foi apresentada à comunidade furry. Ao contrário do que muitos pensam, um furry não se identifica como um animal —todos os que fazem parte deste universo gostam de se disfarçar de personagens ao estilo cartoon. Muitos têm aparências que misturam o Homem e o animal.
Embora tenha, desde então, tido contacto com a comunidade, foi só este ano, no início do semestre, que decidiu envolver-se neste universo. “As fursuits [fatos furry] são extremamente caras e completamente fora do meu orçamento no momento. Enquanto aprendia mais sobre a comunidade e a presença em Portugal, descobri os pups e mais especificamente os pup hoods.”
Os pups são pessoas que, como o próprio nome indica, se vestem como cães humanizados. O fato pode ser usado dos pés à cabeça, mas tem também acessórios como as pup hoods, ou seja, as máscaras que cobrem apenas o rosto do indivíduo. Foi precisamente isso que Mariana comprou e que acabou por rodar todo o País.
“Comprei um pup hood e gostei tanto de como ficou que achei ser uma ideia divertida ir até à faculdade com ele e com outros acessórios. Seria apenas durante algumas semanas e depois planeava voltar ao normal”, partilha. Por ser uma altura de praxe e de outras atividades de integração estudantil, a universitária acreditou que a decisão seria “aceitável”.
“No início causou um pouco de choque e interesse entre os alunos do ISEP, mas chamar atenção nunca foi a intenção”, frisa. Agora, está a ter de lidar com uma atenção indesejada. “O ódio online está fora de controlo e comecei a receber ameaças de violência e morte anónimas. Percebi um ar muito mais agressivo nos ambientes da faculdade, especialmente no grupo de curso”.
Mariana avança que não se sente segura no Porto — com ou sem a máscara. “Parece que perdi todos os meus portos seguros, tanto pessoalmente como online. Lidar com o ódio online e pessoalmente era fácil no inicio, mas agora está a ter um impacto drástico na minha saúde física e mental”, afirma à PiT.
A história dos furries remonta a 1970, quando o grupo recebeu um nome e uma definição: uma subcultura cujos membros gostam de se disfarçar de animais ao estilo cartoon — por vezes para satisfazerem um desejo sexual, mas mais frequentemente como um escape divertido. Cães, tigres, gatos, e muito mais entram na lista. Em Portugal, pode saber mais sobre a comunidade através do projeto Eufurria.
Toko-san, por sua vez, não é considerado um furry. O japonês identifica-se mesmo como um cão e aposta num fato realista de um Collie — come ração falsa e até pratica agility. De seguida, carregue na galeria para recordar a sua história.