Buzz é a última memória que Maria Castelos tem para relembrar o seu filho. Quando, há três anos, Carlos morreu com uma perfuração na úlcera, com 29 anos, deixou apenas o seu papagaio para fazer companhia ao ombro esquerdo da mãe. Bastou uma tarde, para ver a última memória física do seu filho desaparecer.
Maria, 58 anos, mora perto da Praia da Rainha, em Cascais, arredores de Lisboa. Todos a conhecem pelos passeios que faz com as aves ao ombro e pelo seu cuidado especial com elas. De um momento para o outro, começaram a ver Maria sozinha, com os ombros despidos, sempre com um rolo de fita-cola nas mãos, a afixar cartazes pelas ruas.
No dia 26 de agosto, Maria decidiu ir dar uma volta à praia com Buzz, como era costume. Mas esta vez acabou por ser bastante diferente: “Havia vários helicópteros a passar e isso causou um grande alvoroço nas gaivotas. Perdi o controlo da situação e o meu papagaio fugiu-me do pulso”, começa por contar à PiT. A dona começou a ver a sua ave a voar para longe, juntamente com a corrente agarrada à pata, com pouco mais de um metro, que era o que a mantinha agarrada a ela.
Quando perdeu o paradeiro do seu papagaio, alertou vários vizinhos e amigos para que a ajudassem a procurá-lo. A informação espalhou-se rapidamente, e a localização do papagaio acabou por ser divulgada: Buzz estava no Parque Marechal Carmona, que fica a cerca de dois quilómetros da praia. “Várias pessoas vieram ter comigo a dizer que tinham ouvido o pássaro a cantar durante horas. Houve até uma senhora que disse que ficou por três horas a ler debaixo da árvore onde ele estava. Achavam que era uma ave do parque”, explica a tutora.
Maria acabou por ligar aos bombeiros, presumindo que a corrente de Buzz estivesse presa à árvore: “Foi um erro. Devia ter ligado para a polícia ou para a Intervenção e Resgate Animal (IRA). Os bombeiros chegaram lá, com os seus capacetes e farda fluorescentes e, quando pousaram a escada, o barulho assustou-o e ele fugiu. Mesmo que estivesse preso, o esticão que deu soltaria facilmente a corrente”.

Essa foi a última vez que viu Buzz. Durante meses, levantou-se às 5 horas para cumprir a rotina de dar três voltas ao parque para ver se o encontrava. Só pensava no seu filho e na relação que os dois tinham: “O Buzz sabia que o meu filho ia viver pouco tempo. Dormia com ele, entre o seu braço e o seu peito”, conta à PiT.
Buzz era muito mais do que um pássaro para Maria. Revia sempre nele o momento em que desvalorizou a dor que o filho lhe comunicou, uma semana antes de lhe escorrer sangue pela boca e de deitar o último suspiro. E essa frustração era aplicada a cada cartaz que afixava na rua e aos quilómetros que fazia na estrada.
“Cheguei a imprimir mais de 80 mil cartazes. Todos os dias, ia buscar quatro rolos de fita cola. Se tiravam os cartazes que punha, voltava a colocá-los. Fui até Colares, quando soube que havia lá uma ave que podia ser o Buzz”. O cansaço doía-lhe no corpo, e os desmaios tornaram-se recorrentes. Foi então que, no meio das 30 mil mensagens que recebeu, uma trazia uma réstia de esperança. Mas era apenas o início de mais um pesadelo.
A gratidão não era recompensa suficiente: eram precisos 25.000€
“Boa tarde. Chamo-me Pedro Ascensão e sou advogado. Tenho informações sobre um papagaio perdido e instruções para proceder à devolução do mesmo contra a recompensa anunciada. Fico à disposição para qualquer contacto”. Após ler esta mensagem, enviada a 12 de dezembro, quase quatro meses depois do desaparecimento, Maria Castelos tratou-a como as outras milhares que tinha recebido, de forma “cirúrgica e cautelosa”.
A dona de Buzz pediu alguma prova em como tinha o papagaio na sua posse. Através do Whatsapp, onde estabeleceram toda a conversa, o advogado enviou-lhe uma fotografia da corrente que a ave usara no dia do desaparecimento, dizendo: “Será esta a anilha?”, segundo a troca de mensagens a que PiT teve acesso. Maria nem queria acreditar e só conseguia pensar na palavra gratidão.
Pedro Ascensão continuou a enviar fotografias de Buzz, alegadamente tiradas pelo seu cliente, cujo nome sempre se recusou a divulgar. “A corrente demonstrava que o senhor em questão tinha ficado com o meu papagaio desde o primeiro momento. Então, por que só entrou em contacto agora?”, perguntava-se. A resposta vinha momentos depois, seguida de vários zeros.
O advogado exigiu 25.000€ para devolver o papagaio. Ao ver esta mensagem, Maria questionou-se imediatamente do porquê deste valor, ao que Pedro Ascensão confirmou que era o que estava listado como recompensa, nos cartazes que tinha espalhado. A dona de Buzz achou estranho: “Nos primeiros cartazes que afixei, nem punha lá que havia recompensa. Depois, disseram-me que ninguém se ia movimentar se não fosse prometida uma. Então, pus, mas nunca com o valor”, confirmou à PiT.
Foi então que o advogado enviou uma fotografia retirada de uma rede social. Com um fundo da cidade ao final do dia, podia ler-se: “Esse papagaio é de valor sentimental. Mas tem uma recompensa de 25.000€. Se alguém souber de alguma informação, entre em contacto comigo”.

Maria negou a autoria do cartaz, dizendo que nem tinha redes sociais. “É bom que a senhora agilize esta troca antes do Natal. É bom que a senhora colabore”, foi a resposta, segundo a dona do papagaio.
“Queria que ele me olhasse nos olhos. Queria que visse como o Buzz era importante para mim. Como tinha perdido o meu filho e ele era única coisa que me restava”, confessa. Então, agendaram uma reunião. Nesta, o advogado manteve-se intransigente, o que não veio a mudar, mesmo quando Maria lhe apresentou um artigo que vinha mudar a ordem das ideias.
“Quem se apropriar ilegitimamente de coisa ou animal alheios que tenham entrado na sua posse ou detenção por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”, diz o artigo 209.º do Código Penal.
Ainda assim, nada moveu a posição de Pedro Ascensão que, alegadamente, estava a defender os interesses do cliente, cujo nome ainda permanecia desconhecido.
Maria saiu vaiada em lágrimas, e rumou para a Polícia Judiciária, que lhe disse para fazer queixa: “Mas assim há a hipótese de eu ficar sem o meu papagaio. Basta ele dizer-me que já não o tem”.
Saiu com 2.000€ nas mãos, voltou com um Buzz irreconhecível
Maria sempre disse que não tinha o dinheiro pedido. Desde a morte do seu filho que está com atestado médico, tendo largado o cargo de administrativa no departamento da cultura da Câmara Municipal de Évora. Agora, vive da pensão do marido, que morreu de ataque cardíaco, um ano após a tragédia com o seu filho.
“Disse que só podia dar 1.000€, e que mesmo assim ficava sem dinheiro. Então, mandou-me uma mensagem a dizer que o cliente pedia 2.000€: ‘Aceita?'”. A dona de Buzz só pensava no tempo em que tinha estado afastada dele. Essa agonia deu-lhe forças para escrever “sim”.
O advogado disse que tinha que ir sozinha e levar o dinheiro na mão. “No próprio dia, ligou-me a perguntar se já tinha ido ao banco levantar o dinheiro. ‘Está mesmo sozinha?’, disse que sim. ‘Tem a certeza?’. ‘Sim'”, descreveu à PiT.
Foi só no dia 14 de dezembro, que Buzz voltou a ver o seu companheiro e único espírito que mantinha vivo o seu filho. Mas o seu alívio foi rapidamente interrompido pelo estado em que o papagaio estava: “Entregou-mo numa caixa cheia de buracos. O Buzz estava ali, cheio de lixo e teias de aranha”.
Maria chegou a contestar o estado em que Buzz lhe foi entregue, demonstrando a sua angústia com toda a situação. Perante isto, o advogado respondeu: “Lamento muito que se sinta assim, Maria. Continuo a gostar muito de si e tive muito gosto em conhecê-la. Mas ficamos por aqui em contactos se não se importar. Desejo-lhe as maiores felicidades”.
A PiT entrou em contacto com Pedro Ascenção, que negou fornecer qualquer declaração, mesmo acerca da identidade do seu cliente, recorrendo ao sigilo profissional.
Buzz já está nos braços de Maria, e continua a pedir por festas como fazia antigamente. Agora, pode voltar a dar os passeios por Cascais, apesar de trazer um animal muito diferente às costas: “No outro dia, estava a andar com ele e um senhor disse-me: ‘Esse não é o Buzz. Enganaram-na, Maria. Entregaram-lhe outro papagaio’. Eu disse que sabia que era ele, mas ele continuou a dizer que não era, pois estava muito magro”.
Além da magreza extrema, o papagaio está traumatizado, aleijando-se a si próprio: “Este papagaios automutilam-se. Quando não se está a magoar, arraga-se a mim e arranha-me com as patas e com o bico”.
Maria quer que seja feita justiça e não quer que passe impune todo o sofrimento por que passou nos últimos meses, não sabendo onde estava o seu papagaio. Já está a proceder a uma queixa-crime e a uma carta à ordem dos advogados.
Carregue na galeria para ver algumas fotografias de Buzz.