Há dias que se tornam verdadeiros pesadelos – e que nunca conseguiremos esquecer, por mais anos que passem. Foi isso que aconteceu a 24 de agosto a Teresa Figueiredo, residente em Lisboa, que usufruía de uns dias de férias em Tróia. Com ela levou a sua gata Matcha, que nunca mais regressará a casa. Foi alvejada e atirada de uma grande altura, por um vizinho, por se ter baralhado e entrado no sítio errado. Lutou durante cinco dias no hospital veterinário, mas acabou por não resistir à gravidade dos ferimentos. Era uma jovem gata de seis anos, tímida e meiga, e a sua dona está devastada.
Numa “carta” a Matcha, publicada no Facebook, Teresa Figueiredo faz o relato de tudo, como se estivesse a falar com a sua amiga felina – e é impossível não se sentir um aperto no coração perante toda a barbaridade da situação.
Quem a alvejou e atirou do equivalente a um terceiro andar, indiferente aos gritos da dona e aos miados assustados da gata, foi já identificado pela Guarda Nacional Republicana, tendo agora de responder pelo crime de maus-tratos a animal de companhia. Chama-se Manuel Passarinho, é cirurgião ortopédico no Hospital CUF Tejo e, em declarações ao “Correio da Manhã” disse ter pensado que se tratava de um gato selvagem.
Teresa Figueiredo, na sua publicação, intitulada “Minha Querida Matcha (8 de março 2018 a 28 de agosto 2024)”, descreve como tudo aconteceu com a sua gatinha – que tinha dois meses de idade quando foi adotada. “Neste mês de Agosto peguei em ti, sempre mais dócil do que o Guincho [o outro gato], e levei-te para uma casa com um jardim”, escreve.
A tutora continua: “No início das férias tiveste medo de todos os barulhos novos e mal saías da casa. Pegava-te ao colo, coisa que não gostavas nada, para te tirar de um qualquer esconderijo que acabavas por encontrar, sempre receosa. Aos poucos foste escolhendo a vida fora da casa e apreciando uma sensação de liberdade que começaste a explorar e ao mínimo barulho voavas para dentro da casa para um novo esconderijo. Aos poucos foste-te adaptando e acabando por usufruir da casa e do seu jardim e relaxando neste lugar tão bonito e cheio de natureza estonteante”.
Matcha era um doce de gata
“No sábado [24 de agosto] estava a carregar o carro para mais um dia na praia, com a porta meio aberta da rua, não te vi sair e nunca pensei que o fizesses … nunca! Só te voltei a ver depois no topo de um muro e já no final do mesmo, ao nível do 3º andar, duas casas abaixo da nossa. Gritaram por mim, olhei para cima e vejo-te deitada no muro sem saída e ouvi e vi um projétil a passar em razia por ti, assustada de morte. Gritei logo para que parassem com aquela barbárie dizendo que eras a minha gatinha! Tinhas entrado erradamente numa casa igual, com a mesma configuração que a nossa, pois estávamos num condomínio de casinhas em banda todas iguais. Mas alguém com uma espingarda tentava acertar-te?! Como era possível?”, prossegue.
A tutora de Matcha revela também, nesta missiva à sua amiga felina, que foi igualmente agredida. “Pedi para entrar e ir buscar-te, mas fui impedida de o fazer, tendo sido atirada pela escada abaixo daquela casa de pessoas tão maldosas e pré-históricas! Já na rua e cada vez mais aterrorizada, volto a olhar para cima e chamar por ti. Estavas tão alto! Fiquei petrificada! Temi logo o pior… desculpa-me minha doce gatinha! Eu chorava e gritava por ti, tu olhavas com receio para baixo e com dois projéteis no corpo choravas … foi horrível!”
“De repente vejo um dos culpados deste exagero e desta ação criminosa, a tentar chegar a ti pelo muro deitando a mão ao teu cachaço. Levou logo uma arranhadela tua, estavas em pânico, claro que sim, quem te acertara com uma espingarda tentava agora apanhar-te?! Reagiste! Claro! Com a outra mão agarrou-te pelo rabo e levou uma dentada e a reação foi a de te largar no ar sacudindo-te para longe! Aterraste no chão e corri para ti e peguei-te ao colo, vi logo que tinhas uma patinha partida e provavelmente várias hemorragias internas e externas … levei-te a correr para o hospital, sempre com os quatro piscas, a soluçar com os olhos marejados em lágrimas! Dizia-te ‘A Mami adora a Matchinha’ e tu respondias com o teu invulgar ‘Sim’ de gatinha …tinha sangue teu nas mãos!”, relata Teresa Figueiredo nesta exposição tão dolorosa de ler.
Nesta mesma publicação, feita a 30 de agosto, a tutora de Matcha conta, com um grande desgosto, que o desfecho foi o mais infeliz de todos. “Resististe até ontem a todos os procedimentos médicos, que não chegaram para te salvar. Ainda na 2ª feira quando te visitei fizeste aquele ronrom de esperança…que todo o Amor que tinha por ti iria vencer a tua queda. Mas não foi possível…”
“Eras parte de mim. Fazias-me tão bem”
“Deixaste um espaço gigante na minha cama, uma almofada com uma mantinha ao sol vazia e um pedaço do meu coração foi contigo… Chorarei sempre que falar de ti e sempre que chegar a casa e não te vir chegar. Eras parte de mim, da minha vida. Fazias-me tão bem. Fui tão feliz por te ter durante estes seis anos! Foste o ser vivo que mais meiguice me deu na tua alegria e felicidade permanentes. Agora estás nas planícies verdes onde todos os gatinhos vão parar quando nos deixam. Sei que andas atrás das borboletas e a cheirar as flores que encontras sempre com a tua alegria e mimo. Eu fico aqui esperando um dia te reencontrar para passar mais uma vez a minha mão no teu pelo reluzente.”
A dona de Matcha sublinha, já fora da “carta” à sua gata, que aquilo que aconteceu é crime público e que fez denúncia. “Já está no tribunal, nada disto trará a minha Adorada gatinha de volta, mas vou fazer tudo para que neste triste país não haja mais Matchas destratadas cruelmente e sem razão”, remata.
Ao “CM”, Manuel Passarinho confirmou ter sido identificado pela GNR de Tróia, concelho de Grândola, já que tudo aconteceu no empreendimento turístico Soltróia. As testemunhas presentes relataram aos guardas o que tinha sucedido e o cirurgião deu a sua versão dos factos.
“Estava a disparar contra latas em casa, com familiares, quando a gata me entrou pela propriedade, perseguida pelo cão da minha neta. Tentei agarrá-la, mas arranhou-me. Pensei que fosse um gato selvagem e disparei. Escalei a um poste para o tirar de lá. Fui mordido e arranhado e o animal caiu. Já pedi desculpa à dona”, afirmou ao jornal – dizendo ainda que se disponibilizou para pagar todas as despesas médicas. Manuel Passarinho disse ainda ao CM que os cinco netos estavam em casa no momento em que ocorreram os disparos contra a gata. “As crianças ficaram em pânico, começaram a chorar com muito medo”, recordou.
Matcha, que sucumbiu à brutalidade de todo este ataque, fica no coração e na memória da Teresa Figueiredo. Mas é preciso mais – e a tutora espera agora que a justiça seja feita e que o responsável seja punido para que não persista a ideia, muito generalizada, de que as agressões contra animais caem sempre na impunidade. Percorra a galeria e veja algumas fotos desta doce gata que apenas entrou no sítio errado.