Família

Experiência PiT: Levei o meu cão a ver neve — não lhe chegou tocar, teve de provar

O frio levou-nos ao paraíso da Serra da Estrela e à liberdade rural do Fundão. Ficámos numa casa típica e comemos do melhor.
Desceu de trenó e tudo.

Vivi 20 anos sem saber o que era neve. Via fotografias de montanhas cobertas de branco e os filmes norte-americanos de miúdos a fazerem bonecos e afins sempre passaram na minha televisão. Mas não sabia qual era a sensação, a textura e, tão pouco, o frio que deixava nas mãos. Por isso, quando vi os termómetros atingirem os graus negativos, decidi ir com a minha família visitar o ponto mais turístico do País para o efeito. E, claro, não me esqueci do meu cão, que esteve empolgado durante toda viagem até à Serra da Estrela.

Antes de avançar com a experiência do que é levar um cão que nunca viu neve a um local que a tem para dar e vender, é preciso fazer uma breve (e honesta) descrição dele. O Byte não é um cão bem comportado. É um rafeiro com 37 quilos que puxa, gane quando os donos não estão a cinco centímetros dele e que é um chato quando não lhe fazem os favores. Mas nós gostamos dele assim, e decidimos que o seu caos ia certamente proporcionar uma aventura ainda melhor.

O Byte tem quase sete anos de muita liberdade e de um quintal que lhe dá espaço para correr e brincar — apesar ter preferência pelo sofá da sala. Por isso, quando pensámos onde ficar, nas redondezas da serra, quisemos escolher um local que tivesse essas condições. Foi aí que achámos a Casa Cabeço do Barragão, localizada no Fundão, a 31 quilómetros do Parque Natural da Serra da Estrela.

A Casa Cabeço do Barragão fica no Fundão.

A casa com vista para a mancha branca no topo da montanha

Para lá chegar, passámos pelas casas típicas de pedra que compõem a freguesia de Alcaria, no distrito de Castelo Branco. Habituados à confusão urbana, foi com boa disposição que recebemos o silêncio, interrompido apenas pelos badalos dos animais das criações de gado e pelos “bons dias” dos moradores.

Chegámos ao alojamento e a flor pintada na janela da porta indicou-nos que estávamos no sítio certo. O proprietário, Paulo Tomás, 53 anos, deu-nos as boas-vindas, e abriu-nos a porta para um cheirinho a lareira e uma casa construída de raiz. O Byte demorou um minuto a explorar toda a casa. Viu de rompante a sala e cozinha, circundou a grande mesa de jantar, que serviu mais tarde para colocar todos os queijos e enchidos que tínhamos comprado, e rumou para as outras divisões.

Deu uma vista de olhos no quarto ao lado da porta, mas escolheu o segundo, mais espaçoso e com uma grande cama de casal, para ser o seu recanto durante o sono. Depois, espreitou a casa de banho, sem entrar, mas não pareceu ficar tão indignado quanto nós com o funcionamento do circuito da água. Como forma de poupança, a água que enche o depósito do autoclismo é a utilizada no lavatório. Desta forma, não só ajuda o ambiente, como o obriga a lavar as mãos, para ajudar quem vem a seguir.

Após a curiosa revista do nosso amigo de quatro patas, instalámo-nos no quentinho da sala e dos quartos. Já eu, fui-me sentar mesmo em frente à lareira, para aquecer as pontas dos dedos. Foi aí que começou a minha vez de analisar a casa ao pormenor. Reparei na mobília, toda em madeira e imperfeitamente acolhedora. Nas paredes, decoradas artesanalmente com peças que nunca tinha visto. O cabide que acompanhava o comprimento da mesa tinha duas pegas feitas com ferraduras de cavalos, e o relógio noutra parede dava-nos as horas com a cara de um senhor muito bem disposto.

Olhei de novo para a janela da porta, e para a flor que lhe dava uma nova personalidade. Só depois reparei numa outra que personificava uma janela bem mais pequena, e que estava ao nível do chão. Tudo naquela casa me indignava e, só depois de falar com o seu proprietário, que me disse logo ser carpinteiro, é que percebi a história por trás dela.

“A quinta pertencia a um empreiteiro para quem fazia alguns trabalhos, e eu comprei-a para amortizar as contas. A casa costumava servir para um pastor de animais, por isso remodelei-a completamente”, conta à PiT. A habitação descrita nos papéis de compra que Paulo assinou, em 2002, era completamente diferente da que encontramos hoje em dia. À exceção das paredes, o carpinteiro fez tudo de raiz.

Desenhou e construiu a grande mesa de jantar, os armários de todas as divisões e até o sofá. Já as flores da porta e da pequena janela, que Paulo não sabe porque existe — “Talvez tenha sido para a entrada dos animais, mas não sei” — foram responsabilidade da sua mulher artista.

As flores das janelas foram pintadas pela mulher de Paulo.

Apesar de terem muito deles dentro da casa, Paulo e a mulher nunca a chamaram de lar. “Usávamo-la apenas para a época da vindima”, visto que há uma vinha a circundar a propriedade. Por isso, com o passar dos anos, decidiram partilhar o seu recanto no meio da natureza com outros. Foi por volta do ano de 2014 que colocaram a Casa Cabeço do Barragão à disposição. E o Byte agradece.

Mal acabou a inspeção à casa, perdemos o rasto ao cão livre que adora correr. Saiu lá para fora e investigou tudo. Desde a mesa de jardim que está à frente da porta, ao tanque de lavar a roupa, desceu pelos campos de margaridas e espreitou os barracões de produção agrícola que se encontram à entrada da quinta. “Estamos a pensar transformá-los também em alojamento local,  mas a nível burocrático é mais complicado”, confessa.

O seu sítio de eleição, no entanto, foi o mesmo que o nosso: o “baloiço panorâmico”. Montado três dias antes da nossa chegada, “de propósito para nós”, como brincou o proprietário, foi uma ideia que demorou a ser concretizada, mas que valeu toda a pena: “Agora andam na moda esses baloiços. Quando fui ao Gerês, há cerca de um ano, vi lá um e quis fazer o mesmo”.

Enquanto balançamos, e aproveitamos para nos aquecer, conseguimos ver a vista diretamente para a Serra da Estrela. “Estão a ver ali a neve em cima da montanha?”, perguntava o meu pai para mim e para a minha irmã, referindo-se à mancha branca no pico castanho. Nós assentimos, sabendo que, no dia seguinte, era ali que estaríamos.

É tudo o que imaginámos, mas que não conseguimos descrever

Acordámos cedo, algo que não é propriamente costume na nossa família. Tanto era o empolgamento em ver neve que foi fácil levantarmo-nos da cama. Já o Byte, nunca perdeu o entusiasmo que ganhou desde o início da viagem.

Vestimos a roupa quente que tínhamos levado. Ou melhor, o que achávamos ser roupa quente, que, lá em cima, pareceu apenas um pedaço de tecido. E rumámos para a mancha branca que o meu pai tinha assinalado no dia anterior.

Subimos a serra e aí começaram as histórias dos meus pais, que já lá tinham estado. Desde fazerem a descida até à Covilhã toda a pé, para poderem ir aos poucos bares que havia por lá nos anos 80, até ficarem instalados num sanatório abandonado — que hoje é um hotel de luxo — só para não pagarem alojamento, eu, a minha irmã e, certamente, o Byte ficámos com vontade de viver as nossas próprias aventuras. E aparentemente não éramos os únicos. Pelo menos, assim a fila de carros até ao topo a montanha o demonstrava.

O meu desejo ansioso de tocar em neve levou-me a sair do carro numa das dezenas de paragens que fizemos no “pára-arranca”. Quando a senti, foi como sempre tinha imaginado, através das fotografias e filmes norte-americanos. Uma sensação de leveza gelada, que nos faz viajar para um lugar bonito. Talvez esta não seja a melhor descrição, nem a mais consensual, mas talvez a minha dificuldade em fazê-la demonstre exatamente como é que ela nos faz sentir.

Assim que estacionámos, pudemos todos experienciar a neve. Pudemos atirar bolas uns aos outros, mas não fazer bonecos de neve, que parecem bem mais fáceis nos filmes. O Byte pôde tocar, cheirar e até saborear aquela leveza. Aliás, devorar, tendo em conta o quanto comeu.

Até o frio começar a transformar os ossos das nossas mãos em pequenos pedaços de cristal, que davam sinal de se partir a qualquer momento, pudemos descer as pouco inclinadas “pistas” de trenós. E até o nosso cão pôde experimentar, mas não pareceu adorar, visto que veio a latir o caminho todo.

Aquecemo-nos com duas sandes de queijo e presunto, cada uma feita com um quarto de pão de que chegaram para os quatro (e para umas oferendas ao Byte). E o quentinho que nos deu ao estômago e ao coração foi suficiente para abastecermos o porta-bagagens com pão, regueifa, queijo, presunto, enchidos, licor de mirtilo. Ainda bem que a mesa de jantar era grande…

Antes de rumarmos, de barriga cheia, de volta a Lisboa, demos uma espreitadela pelos lugares preferidos do proprietário da casa. Passeámos pelo Fundão que, mesmo sem cerejas, não deixou de florir, bebemos uma ginjinha caseira e ainda demos um pulo no Castelo Novo. E o Byte nunca perdeu o entusiasmo, o que não é de estranhar para nós, mas talvez seja para outros.

Deu vontade de voltar. Àquela sensação, àquela experiência e àquela casa que nos deu a liberdade de viver no recanto mais rural do Fundão. A nós e ao Byte, que chegou à capital com saudade. Mas, ao menos, tinha o seu quintal e o seu sofá de eleição para o ajudar a voltar para aquela tranquilidade.

Carregue na galeria para ver algumas das fotografias da Casa Cabeço do Barragão.

 

ver galeria

ÚLTIMOS ARTIGOS DA PiT