Família

Filha de Manuel António Pina vende Prémio Camões para cuidar dos animais

Ana Pina vendeu a casa, carro e tudo o que tinha de valioso. Acabou por recorrer também ao prémio do pai para conseguir fundos.
Ana cuida de gatos e cães.

Ana Pina, filha mais nova do jornalista, poeta e escritor Manuel António Pina, falecido em 2012 e galardoado com o Prémio Camões um ano antes, tem passado por sérias dificuldades financeiras por estar desempregada. Sem meios para alimentar e pagar as contas veterinárias dos mais de 30 de gatos e alguns cães de que cuida, vendeu o certificado do prémio do pai para fazer face às despesas. À PiT, diz ter a certeza de que os pais se orgulham de si.

“Diria que o meu pai seria o primeiro a entregar o certificado para venda, para garantir o meu bem-estar e o dos bichos, e tenho a certeza absoluta que, onde quer que os meus pais estejam, estão muito orgulhosos de mim por aquilo que eu estou a fazer”, sublinha Ana Pina à PiT.

E mais. “Se eles soubessem que o resto da família me ia abandonar e exercer violência psicológica e chantagem económica para me tentarem obrigar a deixar os bichos, e se eles pudessem regressar, essas pessoas iam ver o que era bom”, acrescenta. E porque é assim tratada? “Porque dizem que não é normal, que eu sou demente”, explica.

Manuel António Pina gostava muito de felinos – quando morreu tinha oito gatos e tem até um poema intitulado “Os gatos”, no seu livro “Como se desenha uma casa” (publicado em 2011 pela Assírio & Alvim) – e a sua filha quer honrar esse amor, que também herdou. Além de Ana ter em casa alguns gatos ainda do tempo em que o pai era vivo, alimenta muitos mais nas colónias de Vila Nova de Gaia que protege, calculando que rondem os 35, bem como cinco cães.

Desempregada, e com todas as despesas com os animais – não só alimentação, mas também cuidados médicos –, Ana Pina viu-se obrigada a vender a sua casa, o carro e tudo o mais que tinha de valioso. Até que vendeu também o certificado do prémio do pai, a uma Fundação, para poder continuar a pagar as contas, que no veterinário chegaram a ascender aos 16.000€.

Atualmente, a fatura na clínica veterinária já ronda os 1.300€, tendo Ana criado uma angariação de fundos, apelando à ajuda de quem se sinta solidário com a sua causa. “O meu nome é Ana Pina, sou a filha mais nova do escritor e jornalista Manuel António Pina e, após a sua morte em 2012 e a da minha mãe, em 2015, assumi, sozinha e contra a vontade da restante família sobrevivente (que me queria obrigar a dá-los para adoção) a responsabilidade pelos animais com quem vivíamos e que os meus pais (e eu) muito amávamos e que ficaram para sempre ligados a ele em poemas, fotos e no documentário sobre a sua vida e obra, feito um ano antes da sua morte, em 2011, ano em que lhe foi atribuído o Prémio Camões, sendo que ninguém que o tenha conhecido pode negar o seu amor pelos animais”, refere na descrição na plataforma GoFundMe.

Ana alimenta gatos na rua onde arrendou casa e na colónia de São Félix da Marinha, em Gaia, além de cães. “Os da minha rua têm sempre biscoito e água e à noite ponho, para além disso, duas latas de 400 gramas de terrina e desaparece tudo. Em São Félix vou à noite e ponho duas caixas também com biscoitos e uma lata de 400 gramas de terrina. Além dos biscoitos, que são sacos de 10 quilos – um de kitten e um de adulto –, eles comem, por refeição, muito mais”, aponta a protetora animal à PiT. Os gatos Adolfinho e a Nandinha têm outra comida especial devido às suas necessidades.

Além da comida, “tenho 13 caixotes para as necessidades”, diz Ana. “Ou seja, são 13 sacos de areia de 5 kg. É muito dinheiro só em comida e areia por semana”. A acrescer estão as contas do veterinário.

Na página da GoFundMe onde criou a angariação de fundos, Ana explica ainda que “tendo assumido esta responsabilidade sozinha e sendo um elevado número de animais, que já são idosos, e encontrando-me atualmente em situação de desemprego e sem quaisquer ajudas, já tive de vender a minha casa e o meu carro e o próprio certificado do prémio do meu pai para garantir o bem estar dos animais. E não me arrependo, porque sei que essa era a única decisão eticamente correta”.

“Não tenho ninguém a quem recorrer, venho apelar a todos os que gostam de animais, e que nutrem respeito pela memória do meu pai, que me ajudem a garantir o bem-estar e a sobrevivência deles, porque era isso que o meu pai queria e que esperava que quem o valorizava fizesse”, remata.

Percorra a galeria para conhecer melhor alguns dos cães e gatos de que Ana cuida – a maioria na sua rua e na colónia perto de casa. E se puder, ajude. Porque, como disse Manuel António Pina, “Há um deus único e secreto em cada gato inconcreto, governando um mundo efémero onde estamos de passagem”.

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