Família

Francisca e Daniel salvaram um cão dos incêndios. A dona não quis saber dele

Lucky terá percorrido 30 quilómetros com um cabo elétrico à volta do pescoço antes de ser salvo. Foi adotado pelos salvadores.
A família completa.

A meio do caos, Lucky agarrou-se a vida. O cão ficou à espera que alguém o ajudasse e terá caminhado 30 quilómetros até finalmente ter a sorte grande. Esta veio na forma de um casal, Francisca e Daniel, que estava a caminho de Texeira, em Baião, para ajudar familiares que estavam numa das zonas de risco dos incêndios que deflagaram nas últimas semanas no País. O patudo está agora a aprender a ser feliz, mas não foi fácil chegar até aqui. 

A 18 de setembro, Francisca e Daniel estavam a almoçar quando descobriram que o fogo estava a aproximar-se da região onde vivem os avós paternos do picheleiro de 31 anos. A meio do caminho, depararam-se com um cão assustado junto à estrada e encostaram o carro de imediato. 

“Indignou-me que no local onde parámos o carro, a 100 metros estavam várias pessoas a conversar”, recorda à PiT a modelista Francisca Conde, 29 anos. “O cão teve de passar perto deles e nenhum deles soube resgatá-lo. Ainda perguntei se era deles e eles disseram que não. Nem me vieram ajudar”, lamenta Francisca, que teve de apanhar Lucky sozinha enquanto o noivo dava a volta ao carro.

Lucky tinha um cabo à volta do pescoço e os seus salvadores dizem ter quase a certeza de que foi colocado por alguém. “Ele tinha o cabo à volta do pescoço com um nó e o resto solto como se fosse uma trela. Tinha muitas emendas e só se via os fios elétricos”, descreve. “Achamos que estava acorrentado em casa e ao fugir, deve ter puxado tanto que aquilo acabou por partir e conseguiu escapar.”

Os noivos foram de imediato até uma clínica veterinária onde Francisca contou também com a ajuda de uma amiga, Patrícia. Por sorte, Lucky não tinha qualquer ferimento e estava apenas com os olhos vermelhos por causa do fumo e a mancar de uma pata devido ao esforço que terá feito ao fugir do fogo.

Estava nesse estado.

Tinha microchip, mas a dona “nem queria saber”

Para a alegria de Francisca e Daniel, Lucky tinha uma tutora e estava registado no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC). Mas a felicidade durou pouco. “A dona foi contactada e disse que o cão não era dela, que tinha dado a uma prima”, diz à PiT Francisca. “Foi pedido o contacto da prima, mas a dona legal disse que não tinha e pelos vistos nem sabia onde morava.” 

Foi aí que a verdadeira saga começou. A médica veterinária que atendeu Lucky terá pedido à dona e à suposta prima para irem até a clínica alterar os dados do microchip, já que estavam errados. Nesse momento, Francisca começou a achar “tudo muito estranho” e prontificou-se a adotá-lo, com medo de que fosse sofrer. 

Nos primeiros dois dias, o cão ficou na clínica e pouco tempo depois, a história ficou ainda mais complicada. Terá sido descoberto que a prima da dona que constava no microchip de Lucky mudou-se para Lisboa e deu-lhe a uma vizinha antes de partir — ou seja, já tinha tido três responsáveis. “Aquilo mexeu muito connosco e com quem nos era próximo”, aponta Francisca. “Dormi mal nessa noite por causa de um cão que não era meu e a dona nem queria saber.”

No final daquela semana, a dona legal foi até a clínica fazer a alterações de dados e terá demonstrado que nem ela, nem a prima queriam ficar com Lucky. Foi então que os dados foram transferidos para Francisca, que decidiu levá-lo para casa. “Sentimos no momento e ainda hoje que a história está muito mal contada e há muitas pontas soltas”, frisa. 

@franciscaconde Este cão sobreviveu milagrosamente ao fugir dos incêndios de Baião. Portugal viveu a pior semana de sempre! Esta é a história resumida: Quarta-feira dia 18 de Setembro ia em direção à Teixeira porque soubemos que o fogo andava por lá e fomos para ver se não se aproximava das casas incluindo a dos avós do meu namorado. • Encontramos este cão, completamente desorientado com um cabo de eletricidade preso ao pescoço e o resto do cabo a arrastar pelo chão. • Levamos ao veterinário para o examinar e ver se tinha chip. Tinha! Alegria a nossa! A Dona deveria estar super preocupada atrás dela. • A dona começou com histórias estranhas que tinha dado o cão à prima (contudo não tinha contacto nem sabia onde ela morava 🤡) • A veterinária disse à dona que se deram o cão deveriam mudar os dados dos donos no ship. Pediu que ela fosse lá ao consultório com a “prima” para se responsabilizarem pelo pequeno. •Foi lá a dona disse que a prima foi viver para Lisboa mas deu o cão à vizinha. (Vejam bem o cão ja estava supostamente no 3.º dono e oa documentos e identidade do chip estavam na primeira dona. • A dona diz que a prima não quer nem ela quer o cão! Teve coragem de abandonar o cão tendo ido vê-lo!! 😳😱 • Pela localização do chip o cão vivia a 30 km do local onde o encontramos. 30!!!! Um cão andou 30 km a fugir do fogo!!! 😭😭 Não estava à espera desta situação nem tencionava para já adotar um cão mas não conseguia dono de confiança para ele. Então adotamos! Eu e o meu namorado ♥️ O bobi agora Lucky tem uma nova familia que vamos fazer de tudo para ele ser muito feliz! ♥️ (Irei fazer queixa por abandono!) Bem-vindo querido Lucky a tua história é demasiado triste, vens com muitos medos mas juntos vamos ser todos felizes e ultrapassa-los. ♥️ Uma nova história. Cuidem dos vossos cães! Dos vossos animais ! Se adotaste ou compraste então tens a responsabilidade de o fazer sentir feliz. #incendios #baiao #dog #cao #abandonado #finaisfelizes ♬ sonido original – Música para tus Playlist

O casal quer avançar com uma queixa

Além dos olhos irritados, Lucky não tinha qualquer problema de saúde.  “Ele é um milagre para mim tendo em conta tudo o que passou”, partilha a nova “mamã”. “Começamos a fazer contas aos possíveis quilómetros que ele fez e tendo em conta as freguesias das três donas, teve de andar mais ou menos 30 quilómetros. É mesmo um milagre e ele é um guerreiro por ter lutado pela vida.” 

Lucky está há pouco mais de uma semana na nova casa, e o casal ainda está a conhecê-lo. Tem cerca de três anos e o antigo nome que constava no microchip era Bobi. Agora, tornou-se verdadeiramente num sortudo. “Ele é meigo, mimalho, brincalhão e inteligente. Já chamo pelo [novo] nome e ele já sabe que é para ele”, afirma. 

O cão também ganhou uma irmã, a Labradora Mel. No início, a empresária tinha medo que Lucky não se habituasse à vida num apartamento, nem a outros animais, mas a adaptação tem corrido melhor do que pensava. “Está a ser ótima. Já fez uma asneira de roer-me o pijama”, partilha, entre risos. “Não faz as necessidades dentro de casa e não ladra. É um cão bastante tranquilo. Olho para ele e só penso ‘como é que já passaste por tanto?’.”

A nova mana de quatro patas é também muito protetora e parece sentir todo o trauma que o novo membro da família viveu. “Deita-se à beira dele e começa a lamber-lhe a cara”, partilha. “Achei que ia ser bastante ciumenta e não é. Tem os seus momentos, claro, mas também estamos a trabalhar para que eles sintam que o amor é igual. Há uma festinha para um e depois para outro, se há biscoito para um há para outro. Ainda pouco tempo passou desde que está connosco e ele já está a ser outro.”

O casal garante à PiT que pretende avançar com uma queixa de abandono contra a antiga dona legal do cão. “Sei que a maioria das pessoas me vai dizer que é muito trabalho e que não vai dar em nada e eu percebo tendo em conta as leis que vemos no nosso País, mas como cidadãos não devemos desistir só porque ‘dá trabalho’. Temos de agir”, frisa. 

Francisca é fundadora da própria marca de roupas, a Dona Chica, e Daniel tem o próprio negócio de pichelaria. Vivem desde 2023 em Baião e querem encontrar também os possíveis responsáveis por terem amarrado o recém adotado cão com um cabo elétrico. “No meio da tragédia que vivemos, o fogo que podia matar o Lucky foi o que lhe deu vida.”

De seguida, carregue na galeria para conhecer a nova vida de Lucky. 

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