Família

Manjerico, o boi de estimação que carrega a vida do seu tutor às costas

Há sete anos que Mário passeia com o seu boi pela Lourinhã. Agora, mesmo doente, recusa-se a abandonar Manjerico.
Mário anda com uma mochila com um concentrador de oxigénio.

Na Lourinhã todos o conhecem. Manjerico pesa mais na vida do seu tutor, Mário Baltazar, do que o seu peso real — 1.170 quilos. Na verdade, Manjerico é hoje a ajuda mais preciosa de Mário, 74 anos, diagnosticado “há uns meses” com fibrose pulmonar.

O pulmão está a avariar. Dentro de algum tempo vai-me matar“, conta à PiT o homem que se passeia pela vila sempre acompanhado do boi há mais de sete anos. Mário assegura que não tem “medo de morrer”. “Tenho medo é que me falte o ar”, admite.

É para adiar o medo que usa todos os dias um concentrador de oxigénio, que lhe permite respirar e fazer as atividades diárias. É Manjerico quem carrega a mochila que liga o tutor à vida.

“A princípio, levava eu a mochila. Mas depois pensei que era ridículo, pois para o animal não faz diferença nenhuma se está nas minhas costas ou nas dele”, explica. A doença recomendava mais recato, mas Mário não consegue virar as costas ao boi, seu fiel companheiro. “Só ainda tenho o Manjerico pela amizade muito grande que tenho com ele. Já não o podia ter, pois já me custa a tratar de tudo”, confessa à PiT.

Esta amizade, tão forte quanto improvável, começou em 2015, depois de uma viagem ao Brasil. Mário era criador pecuário num terreno baldio por si comprado, e onde entretanto viria a construir o kartódromo da cidade.

“Nesse terreno que eu tinha, havia porcos, vacas e galinhas, tudo para consumo familiar, mas os bois nem me passavam pela cabeça”, recorda. Até fazer uma viagem ao Brasil que lhe abriu outros horizontes: “Conheci lá um criador que me explicou várias coisas sobre os bois e de como tratar deles, e eu disse que, quando chegasse a Portugal, ia ter um”, explica Mário.

Assim dito, assim feito. Chegou ao nosso País e conseguiu a licença de exploração para seis bois. Muitos foram e vieram, e Mário era bem aconselhado pela mulher para não se afeiçoar aos animais, apesar de os tratar muito bem.

Houve um que ficou. O pequeno bezerro de dois meses vindo do Alentejo, e que custou duas notas, uma de 100€ e outra de 500€, conseguiu a amizade do criador e de todos os habitantes da cidade onde vivia. Estava criada a relação duradoura entre Mário e Manjerico, que toda a gente se habituou a ver na Lourinhã e na Praia da Areia Branca, por onde Manjerico foi deixando a sua pegada ao longo dos anos. “Ele adora a praia”, diz Mário, com ternura.

Mário Baltazar vive com fibrose pulmonar, mas não deixa Manjerico para trás.

Manjerico conquistou não só o coração do tutor, como mudou a sua mente. Aquele grande terreno deixou de ser para criação e abate animal e passou a ser apenas a casa do boi: “Não sou vegetariano, mas não consigo matar nem mais uma galinha”, esclarece.

Mário soube desde o início que o boi era diferente. “Saíste-me cá um manjerico”, costumava dizer, quando o animal fazia tropelias com o seu neto. Não se recorda bem do motivo, mas o nome acabou por pegar e é conhecido por toda a cidade e território nacional.

Por onde quer que passe, toda a gente conhece o boi. Quando veem Mário às costas de Manjerico, as pessoas acenam, os carros buzinam e os turistas param e tiram fotografias. 

A televisão vai constantemente à Lourinhã pois toda a gente quer conhecer a história da dupla. No Facebook a página “Os Amigos do Manjerico”, somam mais de 25 mil seguidores que acompanham o seu dia-a-dia.

Além de João Baião, várias celebridades já montaram o boi Manjerico.

A doença é só mais um obstáculo que Manjerico leva às costas

Até quando se apresentou no posto da polícia de Torres Vedras o reconheceram: “Não vês quem é o senhor? É o dono do Manjerico”, exclamou um agente para os restantes. Mário foi apenas pagar uma multa por excesso de velocidade, devido à pressa de chegar a casa antes que o seu oxigénio acabasse. Nesse dia, Manjerico havia ficado em casa…

Nascido e criado na Lourinhã, Mário está conformado com a sua doença. Afinal, é apenas mais um obstáculo que tem de ultrapassar. “Já estou acostumado aos obstáculos que a vida me tem trazido”, sublinha. O pai morreu quando tinha apenas três anos e as dificuldades financeiras em casa obrigaram-no a trabalhar muito cedo: “Aos meus 12 anos, já andava eu nos recados”, recorda.

Ingressou na tropa, que abandonou aos 22 anos para se casar às escondidas com a filha de um colega e atual mulher, que tinha apenas 13 anos. Mais tarde, construiu a sua própria oficina e fundição, onde “fundia 14 mil toneladas de ferro por semana”.

O dinheiro não era muito, mas foi o suficiente para comprar o tal terreno onde veio a construir o Dinokart, o seu principal sustento, visto que a sua “reforma vai toda para o Manjerico”. 

Não é, no entanto, apenas para Mário que o kartódromo serve como distração. Com o chalet de Manjerico ao lado da pista, o boi adora ver os miúdos a conduzir os karts e ouvir o ruído dos motores e pneus a derraparem no asfalto: “O boi passa lá o dia e, se eu deixar, ele fica o tempo todo a ver os karts e a ouvir o seu barulho”, explica.

Além de gerir o negócio, Mário passa muito tempo a cuidar de Manjerico. Apesar de a doença já o limitar fisicamente, o tutor não deixa que isso o impeça de arranjar soluções criativas para os problemas da rotina de ambos: “Como sou serralheiro, estou muito habituado a fazer qualquer tipo de máquinas”.

Num vídeo que publicou no Facebook, mostra-se a colocar palha dentro de uma engenhoca por ele construída: “Fui ao armazém e peguei em várias peças de sucata. Fiz uma ‘maquineta’ para moer a palha do Manjerico, que era muito grande” e os fãs da parelha aplaudem-no nos comentários.

Manjerico há de carregar o tutor até ao seu último suspiro, mas por mais que a doença de Mário lhe pese, nada os impedirá de continuar esta caminhada em conjunto.

Carregue na galeria para ver algumas fotografias da dupla mais famosa da Lourinhã: Manjerico e Mário Baltazar.

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