“Aguenta só mais um pouco. Sei que o mundo te desiludiu e te tirou o chão, mas não desistas”. Foi esse o pedido que fizeram a António, o cão com 15 anos que já não mostrava qualquer vontade de viver. Ainda assim, ele fez o favor às pessoas que tanto cuidaram dele. E “aguentou”, para partir feliz.
“O nosso velhinho partiu hoje com uma falência renal irreversível. Tentámos tudo. Mas era velhinho”, revelou Marta Cameirão, dona de António. A jurista lisboeta foi uma das responsáveis pela sua felicidade, após ter saído do Canil Municipal de Tavira, onde foi acorrentado, em julho de 2022.
O País conheceu António graças à crueldade com que foi abandonado. Amarrado ao portão do canil algarvio, trazia um bilhete na sua trela: “Por favor, abatam este cão. Já não tenho dinheiro”.
“Como é natural, os voluntários não o abateram, pois não havia razão nenhuma para o fazer”, relembrou João Ferreira, fundador do abrigo ARA – Animal Rescue Algarve, numa entrevista dada à PiT. Em vez disso, contactaram-no e pediram-lhe que arranjasse um final feliz para António. E foi isso que o protetor de animais fez.
Além de lhe ter devolvido parte da alegria e a sensação de fazer parte de uma família, lutou para que arranjasse uma casa onde pudesse estar bem nos últimos meses de vida. Como tal, falou com o fotógrafo Carlos Filipe, que concordou em captar o “dinossauro”, como chama carinhosamente aos animais séniores.
Foi Carlos quem pediu a António que aguentasse mais um pouco. Foi ele quem entendeu o seu cansaço e a sua desilusão com o mundo e implorou para que não desistisse. E foi esse favor que deu ao cão “velhinho”uma casa.

Marta, o marido, Paulo, e os filhos, Mateus e Constança, encontraram uma fotografia de António no Facebook e já não conseguiram fechar os olhos: “Senti que tinha de fazer isto. Senti-me na obrigação de ajudar. Vi as fotografias, li a sua história e pensei: ‘Não posso enterrar a cabeça na areia”, garantiu à PiT, em fevereiro deste ano.
Ainda que a família tivesse sido avisada da condição de saúde do cão, nomeadamente sobre o facto de ter insuficiência hepática, decidiu adotá-lo, sabendo que lhe daria a melhor vida possível. “Nós temos todas as condições, vivemos bem, temos uma grande casa e suporte financeiro para um cão sénior que será muito dispendioso”, garantiu.
Assim dito, assim feito. A família fez com que António vivesse os últimos seis meses “muito feliz, com muito amor e atenção”. Ainda assim, Marta não deixa de ter um “sentimento de culpa”: “Estou destroçada. Estou na dúvida sobre se poderíamos ter feito mais. Se lhe devia ter dado mais beijinhos ainda”, lamenta à PiT.
Apesar deste desabafo, a jurista sabe que tudo fez para dar alegria a António. E continuará a fazê-lo, mesmo depois da sua partida: “Viverá para sempre nos nossos corações. Até sempre, meu querido Velhinho”.
António será para sempre imortal
“Eles merecem viver, mesmo depois de partirem. Pela lição que cá deixam”. É assim que pensa Carlos Filipe e é isso que o move a contar a história dos cães que capta com a sua câmara. Não apenas através da sua fotografia, mas também pelas palavras. E agora fará questão de que António nunca seja esquecido.
O fotógrafo lançou um livro em 2019, com alguns dos “Amigos Imperfeitos” que fotografou ao longo dos anos. Agora, prepara-se para lançar a segunda edição do mesmo, com novas histórias e novos focinhos de luta e sobrevivência. E, apesar de o cão de 15 anos já cá não estar, ele também constará do livro.
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“O que mais queria é que ele estivesse vivo, para que as pessoas o pudessem conhecer”, deseja Carlos. Mas, no fundo, o fotógrafo sabe que ele já faz parte dos corações de muita gente. E nunca morrerá, mesmo depois da sua partida.
Carregue na galeria para ver algumas fotografias de António.