Depois de uma semana sem comer e quase sem se conseguir levantar, Manjerico morreu. O boi mais conhecido de Portugal deixa na lembrança de muitos os longos passeios que dava nas praias da Lourinhã com o seu tutor, Mário Baltazar, 74 anos.
A notícia da morte de Manjerico foi conhecida ao final da tarde desta segunda-feira, 31 de outubro, pouco depois das 19 horas. “Morreu o meu Manjerico. O coração dele parou às 16 horas”, escreveu Mário numa publicação na página do Facebook “Os amigos do Manjerico”.
Mário Baltazar admite que Manjerico pode ter sido envenenado, mas as análises apenas confirmam a ingestão de pesticidas: “Pode ter comido uma abóbora ou outro alimento que contivesse pesticida. Pode não estar relacionado com a causa da morte”, disse à PiT, poucos minutos após ter revelado a morte do animal.
A verdade é que, durante a última semana, Manjerico, com 7 anos, tinha falta de apetite e estava sempre deitado. “O Manjerico vai morrer, e eu vou a seguir”, desabafou Mário. Mas apesar de muito crítico, o estado de Manjerico ainda apresentou algumas melhorias na passada quinta-feira. Nessa altura, o boi ainda conseguiu dar alguns passeios pelo kartódromo de que Mário Baltazar é proprietário.
A situação, porém, agravou-se na sexta-feira: “Quando o encontrei de manhã estava muito mal. Não se conseguia levantar e foi assim ao longo de todo o dia. Puxei-o para fora da sua casinha e nem se mexeu”, descreveu o tutor.
Mário percebeu durante o fim-de-semana que já nada havia a fazer pelo seu Manjerico. Esta manhã revelou à PiT que já tinha ligado ao veterinário, mas que não tinha coragem para o mandar abater. “Já liguei ao veterinário, mas ainda não ganhei coragem. Pode vir a morrer entretanto e, nesse caso, não preciso [de o mandar abater]. Manjerico acabou por morrer perto das 16 horas desta segunda-feira.
Desde que Manjerico piorou Mário não saiu do seu lado e esteve com ele até ao último momento: “Estive ao lado dele até ao último suspiro. Ele já não sofre mais”.
“Jurei a mim mesmo que, quando o Manjerico morresse, ninguém o ia comer. Se me deixarem, gostava de o enterrar no meu quintal, junto de mim”, prometeu Mário. Contudo, essa promessa ser-lhe-á negada, visto que o boi terá que ser incinerado por se tratar de um animal com 1.170 quilos, adianta o dono.
Mário deixa uma última réstia de esperança e assegura que não será a última notícia que ouviremos do cuidador do boi: “Qualquer dia, apareço aí com outro”.
Com duas notas, uma de 100€ e outra de 500€, Mário comprou uma amizade para a vida
No terreno onde hoje tem o kartódromo da cidade, tinha porcos, vacas e galinhas para consumo familiar. “Mas os bois nem me passavam pela cabeça”, revelou Mário à PiT. Tudo mudou quando fez uma viagem ao Brasil, onde conheceu um criador que lhe explicou como tratar dos bois: “Disse que, quando chegasse a Portugal, ia ter um”.
Não teve um, mas sim seis. Assim que conseguiu a licença de criação, foi recebendo diversos bovinos em sua casa, cumprindo sempre com o que a sua mulher lhe dizia: para não se afeiçoar demasiado aos animais.
Manjerico, no entanto, foi a exceção à regra que Mário se esforçava tanto para cumprir. Com duas notas, uma de 100€ e outra de 500€, trouxe o bezerro traquina com dois meses do Alentejo. A relação de amizade que criaram, as tropelias que fazia com o seu neto e as caminhadas que dava pela Praia da Areia Branca mudaram o criador: “Não sou vegetariano, mas não consigo matar nem mais uma galinha”.
Foi fácil arranjar um nome para o protagonista das tropelias que entretinham “Os Amigos do Manjerico”, a página de Facebook que conta com mais de 30 mil seguidores: “Saíste-me cá um manjerico”, dizia frequentemente, um nome que chegou a aparecer diversas vezes na televisão portuguesa.
O boi passou a ser uma verdadeira atração na Lourinhã. Por onde passassem, havia sempre pessoas a buzinar e a querer tirar fotografias. E não eram apenas turistas e cidadãos comuns a fazê-lo, também algumas personalidades do País.
Um dos apresentadores que criou uma maior ligação com Manjerico foi João Baião, que Mário recordou nestes últimos dias em que o boi esteve mais em baixo: “Se o João Baião soubesse que o Manjerico está doente, já cá tinha vindo. Ele já me chegou a ligar só para falar do boi”, confessou.
Manjerico carregava a vida do seu tutor às costas. Agora, é Mário quem carrega a sua dor ao peito
Mário não teve uma vida fácil. O seu pai morreu quando tinha apenas três anos e a sua mãe não conseguiu lidar sozinha com as despesas da casa: ” Aos 12 anos, já andava nos recados”, contou à PiT.
Construiu a sua vida praticamente sozinho. Aos 22 anos, alistou-se na tropa, onde acabou por fugir para casar com a filha de um colega de trabalho, a sua atual mulher, que tinha 13 anos na altura. Mais tarde, criou a sua própria oficina e fundição, onde “fundia 14 mil toneladas de ferro por semana”.
Agora é dono do Dinokart, o kartódromo de onde vêm os seus rendimentos, visto que a sua “reforma vai toda para o Manjerico”. Mas não se queixa de nada, pois o dinheiro chega e sobra para as suas rotinas.
A única coisa que tem a lamentar é o seu estado de saúde. Quando foi diagnosticado com fibrose pulmonar, passou a fazer-se acompanhar de uma pequena mochila com um concentrador de oxigénio: “A princípio, levava eu a mochila. Mas depois pensei que era ridículo, pois para o animal não faz diferença nenhuma se está nas minhas costas ou nas dele”.
Mário não tem medo de morrer. Apenas receia que lhe falte o ar. Mas a doença nunca o impediu de fazer as suas caminhadas com o Manjerico. Esta segunda-feira esteve com ele até ao fim: “Hoje passei uma hora a chorar ao lado dele, a falar com ele.”
Carregue na galeria para ver alguns dos momentos que vão ficar na memória dos portugueses do boi mais mediático de Portugal.