Bruno Santos demorou 30 anos para criar o seu negócio. Há quem nunca o consiga na vida, mas este brasileiro de Minas Gerais, em Portugal há seis anos, chegou a desconfiar da sua capacidade de empreender e de criar algo seu. “Venho de uma família de empreendedores e sempre tive este sonho, mas não foi fácil. Muitas vezes, perguntava a mim mesmo ‘será que esse dia vai chegar?’ ou ‘será que não ser capaz de criar um negócio meu?’”, relata. Conseguiu, por fim, a 2 de fevereiro deste ano, quando inaugurou o The Urbanus – Cafetaria, na Urbanização Casas do Lago, perto do Hospital Amadora-Sintra, ainda pertencente à freguesia da Venteira.
A história, porém, não começa aqui e é a sucessão de episódios surpreendentes. Nada fazia prever que a restauração se tornasse uma paixão para Bruno. “Nunca tive qualquer atração por restaurantes, ou por cozinhar. Em miúdo não tinha qualquer fascínio por ver a minha mãe na cozinha, nada”, diz, com um sorriso.
Por duas vezes, começou a estudar Direito, no Brasil. “Comecei o curso em duas universidades diferentes, e em ambas não terminei. E isso era uma coisa que mexia comigo”, recorda, adiantando que “havia influências de família e de uma grande amiga advogada”, que tem escritório montado em Minas Gerais.
A advocacia, porém, “não era a sua praia”. “Ou, então, até era, mas não era o momento certo.” A verdade é que desistiu e foi trabalhar no serviço público. “Era um trabalho muito pouco criativo, na secretaria da Fazenda, a passar alvarás e guias”, recorda, entre risos, mas reconhece que era “muito confortável”.
“Trabalhava de segunda a sexta-feira, folgava ao fim de semana, saía às cinco horas, perto dos amigos, a minha mãe ligava-me a perguntar o que queria comer ao almoço, enfim, era um luxo”, conta.
Aos 23 anos, que mais poderia querer um homem? Tudo. Bruno sentia-se sufocar, precisava “fugir daquela bolha”. “Bolsonaro tinha acabado de assumir a presidência do Brasil e o país estava num estado tenso. E disse: preciso de respirar”.
“Sabes cozinhar? Não”
Preparou uma carta de exoneração das funções que tinha no seu emprego, assinou-a e deixou-a entregue aos Recursos Humanos. “Comprei passagem para Portugal, numa perspetiva que vinha passar umas férias, mas deixei de sobreaviso os meus colegas: ‘Se não voltar, é porque fico por lá e vocês avançam com o processo”, recorda.
E assim foi. Veio sozinho para Portugal. À aventura, sem emprego e sem grandes ideias do que poderia fazer. A cozinha foi uma necessidade. “Comecei a procurar trabalho e, como qualquer emigrante, comecei pela restauração. As pessoas acharam graça à minha honestidade e à simplicidade com que respondia que não sabia, mas tinha vontade de aprender.”
“Sabes cozinhar?”, perguntaram-lhe no Caseiro, um restaurante em Belém, que hoje já não existe. “Respondi com verdade: disse que nunca tinha cozinhado na vida”, ri-se. “Acharam graça à minha honestidade e disseram: ‘olha que a vaga é para a grelha, queres fazer um teste?’”. Disse que sim, e saiu-se bem. Não queimou o peixe, mas ficou com as mãos em chagas.
Seguiram-se passagens pelo Mar ao Carmo e pelo The One, do Palácio da Anunciada. “Aprendi imenso nestes dois restaurantes, fui muito bem tratado, confiaram em mim e creio que correspondi bem”. Quando trabalhava no hotel de cinco estrelas decidiu tirar o curso na Escola de Hotelaria de Lisboa. “Foi muito difícil conciliar tudo, confesso, mas concluí o curso, o que me deixou muito feliz. Parecia que tudo estava, finalmente, a compor-se.”
Bateu à porta do Ritz para estagiar. “Mandei o meu currículo e aceitaram-me. E, quando lá cheguei, fiquei de boca aberta, porque nunca tinha visto uma cozinha tão grande”, recorda. Foi uma escola incrível, confessa. “Estagiar com o chef Pascal Meynard é um luxo. Aprendi quase tudo o que sei hoje com ele. Estive lá quase dois anos, até que cheguei à conclusão que era tempo de concretizar um sonho.”
A hora do empreendedor
“Sabia que haveria de cá chegar. Mas, às vezes, a dureza do caminho dá ainda mais sabor à conquista”, refere Bruno, que começou a procurar uma morada para o seu primeiro negócio em 2024. Porém, os planos não correram como previsto à primeira.
“Estivemos muito perto de conseguir o espaço do restaurante Informal, que fechou — e assim continua, aliás, — mas a nossa proposta foi recusada. Era porque não tinha de ser”, resume.
Continuou à procura e quis o destino que haveria de se instalar mesmo em frente, uma loja cheia de luz, com duas frentes, dois terraços e duas entradas. “Isto tinha sido um café também, mas estava muito queimado, num estado de grande sujidade e ultrapassado. Mudámos tudo. Apenas as cadeiras se mantiveram, mas de resto, foi uma mudança profunda”, recorda.
Alguns clientes do negócio anterior, aliás, nem queriam acreditar quando ali entraram no dia da inauguração. “A transformação era total, não tem nada a ver com o que era”.
Do café antigo ficou apenas Paula, “a funcionária que já trabalhava cá”. “Eu não tinha experiência de cafetaria. Até há dois meses, não sabia o que era um abatanado, um café sem princípio ou uma italiana. O espaço tem 20 anos, aqui sou o novato, tenho de ter humildade suficiente para perceber que preciso de alguém que sabe o que deve fazer”, conta.
Bruno diz-se muito feliz com a conquista, e quer aplicar na cafetaria The Urbanus o muito que aprendeu nas cozinhas por onde passou nestes seis anos de Portugal — aterrou em Lisboa a 5 de março de 2019 e hoje sente-se em casa. “Costumo dizer que tenho duas casas, duas cidades e dois países e sinto-me muito feliz de aqui estar”.
A cafetaria não serve refeições, mas tem sopa do dia (2,20€), tostas (desde 3,80€), bifanas (5€), vários pregos — de alcatra e de lombo com batatas fritas (desde 7,5€), smash burgers (8€) e “uma salada incrível de burrata numa cama de pesto, envolta em chutney de tomate e vinagrete de citrinos (8€)”.
Tudo é feito por Bruno na pequena cozinha do espaço, que serve ainda salgados, bolos e pão quente. Num dos terraços, há já uma esplanada. No outro, virado para os fins de tarde soalheiros, vai nascer outra esplanada com deck, onde o empreendedor e o sócio esperam criar alguma animação a pensar nos sunset, com música “não muito alta para não incomodar os vizinhos”.
Negócio vai crescer
O empreendedor explica que quer transformar a cafetaria “num ponto de encontro, tanto para as pessoas do bairro, como para as pessoas de fora do bairro”. “A urbanização vai crescer muito, a previsão é chegar aos três mil moradores este ano, porque tem mais prédios a serem construídos. Quero captar essas pessoas também”, assegura. Aberto das 7h30 às 20 horas, o Urbanus prepara-se para alargar a oferta de petiscos. “Vou ter de acrescentar caracóis, moelas, pipis, saladinha de polvo. Toda a gente me cobra isso.”
O que não foi preciso cobrar, porque “foi uma opção natural”, foi a decisão de fazer The Urbanus um espaço pet friendly. “Se o que pretendemos é ter as pessoas num ambiente onde se sintam bem, obviamente, os cães não podiam ficar de fora. Queremos uma cafetaria inclusiva, com boa vibe, e temos clientes que trazem os seus animais para cá. Tem corrido muito bem”, diz Bruno.
A temporada do brunch começa oficialmente este sábado, depois de um teste feito na semana passada e que foi muito elogiado. “Foi uma surpresa, o ensaio correu muito bem. As pessoas chegaram e ficaram loucas, porque aqui nunca tinha servido tido ovos Benedict, salmão fumado, abacate”, revela, entusiasmado.
Para já, o brunch está disponível aos fins de semana e feriados, entre as 11h30 e as 15 horas, com três menus: Ovos Benedict (5,90€) — com bolo do caco, espinafres salteados, ovo escalfado, bacon crocante, molho holandês e cebolinho —; Ovos Royale (6,90€) — igual ao anterior mais salmão fumado — e o Green Toast (4,90€) — com uma tosta de pão rústico, com abacate esmagado, ovo escalfado, espinafres, tomate confitado e azeite virgem extra.
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