Família

Treinos sem a presença dos donos? “É um grande erro”, garantem treinadores

A PiT falou com dois especialistas que alertam para os cuidados que os tutores têm de ter quando procuram ajuda para os cães.
É preciso ter cuidado.

São vários os motivos que levam uma família a procurar ajuda profissional de um treinador para os seus cães — ter uma melhor obediência, socializar com outros animais da espécie, especializar-se numa área específica como terapia ou até mesmo alerta médico, entre vários outros. Seja qual for a razão para iniciar os treinos, uma coisa é certa: é preciso saber escolher a escola ou o treinador individual que vai fazer este trabalho — mas isso nem sempre é fácil. 

Duas semanas após a morte de Dylan, o Castro Labroeiro que partiu poucos dias depois de Bob, o “irmão” da mesma raça, após frequentarem uma escola de treino na Lourinhã, a Elite K9, a história continua a tomar proporções mediáticas. Mas apesar de a família estar a receber apoios de todos os lados, está também a ser alvo de críticas por ter aceitado as condições impostas pela escola, especialmente o regime de internato longe dos donos.

Susana Roncon Chaves, treinadora há 11 anos e autora do livro “Cão Educado, Família Feliz”, frisa que muitos tutores passam ou podem passar por situações graves devido a falta de conhecimento sobre o tipo de treino que os seus cães devem ter.

É normal que muitos tutores acreditarem na palavra e nas práticas de profissionais especializados num determinado assunto  — é como um médico que explica uma cirurgia complexa para um cidadão comum. As consequências, muitas vezes, podem ser fatais e lidar com a culpa não é fácil para as famílias que outrora tinham a certeza de que estavam a optar pelo correto. 

No caso dos treinos, o principal erro é acreditar que os cães têm de ficar longe dos donos e ter um contacto exclusivo com o treinador, garante a profissional. “No momento em que alguém disser ‘O teu cão tem que estar longe de ti’ é para voltar a pôr o cão no carro e ir para casa”, frisa. “A partir daí, tudo o resto está errado. É o dono que deve treinar o seu cão, aprendendo teoricamente e na prática os exercícios e a abordagem para resolver problemas comportamentais. Isso acontece a observar o treinador a demonstrar os exercícios com o próprio cão ou outros alunos. Posteriormente, o tutor deve aplicar o mesmo no seu próprio cão porque a obediência é aumentada pela relação, e a própria relação também beneficia e fortalece-se do treino de obediência. Acaba por ser uma sinergia de ambas as partes”. 

Carlos Cordeiro, treinador há mais de 30 anos, partilha do mesmo pensamento. “Não faz qualquer sentido treinar um animal num espaço que lhe é estranho e onde o seu comportamento será necessariamente diferente”, garante. “Sobretudo, não faz qualquer sentido e é altamente prejudicial interromper o laço entre dono e cão”.

O profissional explica que além de muitos donos não terem conhecimento sobre esta importância, acabam por optar pela comodidade e confiança de deixar os cães nas mãos de um treinador. “Mas a a comodidade é apenas aparente”, alerta. “Na melhor das hipóteses, o animal fica igual ao que era antes do treino. Na pior, os problemas podem agravar-se e até dar lugar a outros”. 

Susana acrescenta que a situação de Spike, o Pitbull que também morreu na Elite K9, poderá estar associada a este tipo de metodologia. O cão foi colocado no espaço para corrigir o comportamento após ter mordido o tutor e o seu irmão. Em declarações à RTP, Mário Alves, o treinador e fundador da escola, contou que o canídeo atacou um cliente, um mês depois de ter iniciado os treinos, e como “única alternativa”, asfixiou-o com o intuito de o fazer desmaiar, mas o patudo acabou por morrer.

“Qualquer cão que esteja possivelmente a treinar obediência a resolver qualquer problema comportamental através do método aversivo e/ou possa estar com medo, pode ficar mais agressivo por causa do que lhe está a acontecer ou deixar de conseguir responder aos comandos com medo de errar. Por isso, não aprende e perde caráter.”

A treinadora e proprietária da Busca, uma escola de treino e daycare, alerta ainda para as técnicas observadas nos vídeos dos treinos feitos na Elite K9, exibidos na reportagem “A Prova de Factos”, na RTP na passada sexta-feira, 19 de julho. A presença de alguns equipamentos que podem promover a violência, como estranguladoras, guias unificadas e possíveis chicotes, também é um sinal de alerta, avança.

“O senhor está com uma estranguladora e diz ‘senta’, mas o cão não senta e ele puxa-lhe o pescoço, e depois diz ‘muito bem'”, aponta, referindo-se ao vídeo que aparece nos 13 minutos e 45 segundos da reportagem. Noutro momento, no minuto 12min36, Spike é manuseado por dois treinadores que utilizam uma guia unificada para controlar o cão. Neste momento, o Pitbull é empurrado com a mão para obedecer o comando “senta”.

“Isto para um dono qualquer que não sabe o que é treinar um cão, como eu, por exemplo, também não sei o que é operar alguém ao joelho, está tudo certo. Mas o problema é que não está. Na realidade, o cão foi empurrado com a mão. Nesses dois exemplos, o cão não obedeceu por treino positivo e nem informação cognitiva. Se a aprendizagem for feita desta forma, é extremamente prejudical, negativa e dolorosa”. 

Susana escreveu um livro em 2017.

Como escolher um treinador ou escola?

Carlos Cordeiro explica que em primeiro lugar é importante ter em conta que a profissão de treinador de cães “não está regulamenta”. “Antes de tudo, as famílias devem questionar e até pedir evidências da formação que aquela pessoa tem para treinar o seu animal. No meu caso, a minha formação de base foi feita na Força Aérea Portuguesa e o certificado está no meu website”, explica. 

O próximo passo é perceber que os tutores são a base do treino. No caso de Carlos Cordeiro, o treinador opta sempre por realizar treinos a domicílios e em áreas próximas da residência da família, onde o cão tende a estar a maior parte do tempo.

“A disciplina dos donos, traduz-se no comportamento do cão. Os cães são animais de grupo, de matilha. Para eles, o dono é o líder da matilha”, defende Carlos. “Se o dono não mostrar calma, segurança e assertividade em todos os momentos, o instinto vai dizer ao animal que terá de ser ele a assumir o papel de líder, para segurança da matilha”.

Outro ponto para ter em conta é garantir que o treinador escolhido não recorra a métodos aversivos ou meios de contenção e correção violentos. “Estes nunca são aceitáveis, seja em que circunstâncias for”, diz. “Existem formas de conter e corrigir um animal sem ser preciso recorrer à dor. Aliás, provocar sofrimento a um animal apenas vai aumentar o stress e a ansiedade deste e potenciar os chamados comportamentos agressivos que, na grande maioria dos casos, não são mais do que uma forma de o animal se tentar defender do que vê como um perigo”. 

Susana Roncon Chaves também frisa a importância dos métodos positivos e é contra qualquer tipo de agressividade. “Sou 100 por cento positiva em qualquer método de aprendizagem. Não há dor física ou emocional no animal”, diz. 

A treinadora alerta que a obediência deve ser vista como uma “diversão” para os animais, e não apenas como uma obrigação social.É uma ligação e é uma conversa gira entre um ser humano e o seu melhor amigo”, conta. 

Ambos os treinadores afirmam que a abordagem vale para todos os cães, sejam rafeiros ou de raça, potencialmente perigosos ou não. “Independentemente da raça, do porte ou de quaisquer outros fatores diferenciadores, o método deve ser o mesmo”, garante Carlos Cordeiros. “Ensinar o dono a ser dono em primeiro lugar. E claro, incidir sobre os comportamentos desajustados existentes para assim conseguir prevenir outros que surjam ao longo do tempo”. 

De seguida, carregue na galeria para conhecer as histórias e os conselhos dos dois treinadores.

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