Os tutores desconfiam e os veterinários não têm um conselho fixo: o uso da canábis para fins medicinais nos animais ainda não é consensual, apesar de diversos estudos já comprovarem os seus benefícios. No entanto, ainda falta muita pesquisa para compreender todos os efeitos da planta.
Uma coisa é certa: a ideia de que o seu animal ficará com a sensação de leveza e relaxamento semelhante à de um humano quando consome canábis é apenas um mito. “Parece haver uma confusão: CBD (canabidiol) é diferente de THC (tetra-hidrocanabinol)”, esclarece à PiT Karla Pinto, médica veterinária e técnica de acupuntura e tratamento para a dor, que tem estudado muito esta temática.
A clínica, que tirou o curso de Médico Veterinário Canabinologista, pela Vetcann, explica que a diferença está na forma como estas duas moléculas reagem perante o sistema endocanabinóide e pelos recetores CB1 e CB2, que podem ser encontrados no cérebro, medula espinal, em vários órgãos, como fígado e pâncreas, ossos, sistema reprodutor, entre outros.
Estes recetores costumam estar “desligados” e o que o CBD faz é “sinalizá-los, de forma recrutar os endocanabinóides”. Contrariamente, o THC apenas os ativa, sendo isso o que provoca os efeitos psicoativos de euforia, irritabilidade, alucinações, descoordenação, entre outros.
No entanto, o CBD tem apenas efeitos positivos para a saúde, visto que este recrutamento de endocanabinóides está associado ao alívio da dor, controlo da ansiedade, fortalecimento da saúde cardiovascular, à prevenção de convulsões, entre outros benefícios.
Além do CBD, ainda é usado o óleo de semente de canábis, que por não ter esta substância, tem vantagens diferentes, sendo rico em ómegas 3 e 6, “sendo maravilhosos para a pele e para a parte inflamatória”.

Contudo, se os benefícios já estão cientificamente comprovados, por que razão ainda é mal recebido por parte de alguns veterinários? “Até 2018, tanto nos Estados Unidos da América como em Portugal e em outros países, a plantação de canábis era proibida, por isso não se faziam estudos, sendo que Israel era o país onde faziam mais testes a esta substância”, explica a médica veterinária.
Desta forma, os testes das propriedades da canábis são muito recentes e ainda há muito por descobrir: “Eu estudo algum assunto e daqui a seis meses essa informação já muda”, conta. A pesquisa é tão pouca que nem é lecionada nas faculdades, sendo que a médica veterinária destaca que, pelo menos, o sistema endocanabinóide devia ser ensinado.
Apesar de ter esse nome, o sistema não é ativado apenas com o recurso à canábis, tendo condicionantes como o exercício físico, a alimentação e outras plantas.
“Quem está habituado a lidar com a dor tem que estar sempre um passo à frente”
“A minha gata foi a minha primeira paciente”, conta à PiT Karla Pinto, rindo e dizendo que “animal de veterinário é sempre cobaia”. Acabou por morrer aos 19 anos, mas, quando a médica veterinária lhe introduzia o CBD, quando estava doente, e as melhorias eram notórias.
Como técnica de acupuntura, tratamento feito a partir da inserção de pequenas agulhas e locais específicos do corpo, e reabilitação animal, está habituada a cuidar de animais “com muita dor”, como, por exemplo, depressão, insuficiência renal e outros problemas. “A canábis foi um acréscimo”: assim que descobriu o CBD, a médica viu na substância uma solução segura, eficaz e “com muito potencial”.
No entanto, é preciso ter cuidados e o seu uso deve ser prescrito por veterinários: “Há vários fatores a ter em consideração, como problemas cardíacos, e se o animal estiver a tomar medicação. Se queremos mesmo aproveitar todos os benefícios que a planta fornece, temos que estar atentos, pois pode haver efeitos negativos”.
A médica veterinária relata, também, ser preciso um grande acompanhamento do animal para visionar como este reage ao CBD, descrevendo que as dosagens, além de não serem fixas quando se trata de fins terapêuticos, são reguladas com o passar do tempo.
Alerta também para sintomas como a sonolência extrema, vómitos e diarreia, que podem ser efeitos negativos do CBD ou de outro ingrediente usado no produto, como azeite e outros óleos.

A médica veterinária faz um último aviso para lojas que promovem o produto como contendo CBD, apesar de os produtos não conterem a molécula na sua composição: “O cliente deve sempre pedir um certificado de análise (CoA), realizado por laboratórios independentes, para perceber se a canábis é de origem europeia e se é biológica, de preferência”.
O uso da canábis para fins medicinais já não se trata apenas de uma opinião, sendo também verdade que ainda faltam diversos estudos para se compreender todos os seus benefícios e contra-indicações. Por agora, revela-se um grande motor de alívio da dor e de bem-estar para o seu pet.