Afinal, não são só os cães que estão connosco há mais tempo do que pensávamos. À semelhança da investigação que, a partir de um osso de cão descoberto há quase 40 anos no País Basco, permitiu concluir que os cães se deixaram domesticar pelos humanos muito antes do que se estimava, também os gatos nos acompanham de perto há milhares de anos.
Quem o confirma é Leslie A. Lyons, professora universitária na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade e investigadora na área da genética felina. Segundo a cientista norte-americana, a co-habitação entre humanos e gatos poderá ter dado os primeiros passos há cerca de 10 mil anos, no Médio Oriente, entre os rios Tigre e Eufrates. Foi lá que se registou a transição do Homem enquanto caçador nómada para se estabelecer a trabalhar a terra. A partir daí, começaram a estabelecer-se, também, as primeiras ligações com o que hoje vemos como animais domésticos.
De acordo com o estudo encabeçado pela investigadora em questão, a partir dessa primeira fase de domesticação felina, os primeiros “tutores” começaram a levar consigo os gatos quando viajavam para outras terras. Estas conclusões foram apuradas a partir do código genético de gatos de diferentes continentes, com cerca de 200 marcadores genéticos em comparação.
“Um dos principais marcadores de ADN que estudámos foram os microssatélites, que se multiplicam muito rápido e dão-nos pistas sobre populações de gatos recentes e a evolução das raças durante as últimas centenas de anos”, explica Leslie em declarações à publicação oficial da Universidade do Missouri. “Outros marcadores de ADN fundamentais que examinámos foram os polimorfismos de nucleotídeo simples, que são alterações básicas ao longo do genoma que nos dão pistas sobre a sua história de há vários milénios atrás. Ao estudar e comparar ambos os marcadores, conseguimos começar a montar as peças da história evolutiva dos gatos”, conclui a investigadora.
Do Médio Oriente para o mundo
Mais, à luz da análise feita pela equipa de Leslie Lyons, ao contrário do processo de domesticação de outros animais como os cães e os cavalos, este fenómeno, em relação aos gatos, deu-se exclusivamente a partir do Médio Oriente, numa zona designada por “Crescente Fértil” — que hoje corresponde a uma zona que vai desde a Palestina, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano e Chipre a partes da Síria, do Iraque, do Egito, do sudeste da Turquia e sudoeste do Irão —, e só depois se espalhou para o resto do mundo com a deslocação e as trocas entre povos. Tanto que as linhagens felinas na Europa diferem bastante das da Ásia, fruto do cruzamento das raças ao longo do tempo.
“Nós na verdade podemo-nos referir aos gatos como semi-domesticados, porque se os deixássemos soltos em ambiente selvagem, eles continuariam a caçar e seriam capazes de sobreviver sozinhos graças ao seu comportamento”, ressalva Lyons. “Ao contrário dos cães e de outros animais domesticados, nós não mudámos realmente assim tanto o comportamento dos gatos durante o processo de domesticação, daí que o gatos prove, mais uma vez, ser um animal especial.
A saúde deles é a nossa
Além das conclusões históricas, Lyons procurou na investigação dar continuidade ao estudo da saúde felina a partir do genoma destes animais que desenvolvem determinadas doenças tal qual os humanos — desde problemas renais à cegueira. “A comparação genética e a precisão da medicina têm um papel fundamental no conceito de ‘Uma Saúde’, que significa tudo o que pudermos fazer para estudar as causas das doenças genéticas nos gatos pode ser útil para tratar humanos com as mesmas doenças“, nas palavras da própria.
A equipa de investigadores liderada por Lyons descobriu que a estrutura do genoma felino é mais parecida com a dos humanos do que a da grande maioria dos mamíferos — exceção feita, à cabeça, com a dos primatas, é claro. Este fator tem permitido os cientistas chegar a tratamentos — ainda em desenvolvimento — que poderão ser eficazes para curar pessoas com doenças equivalentes às que afetam os gatos.
Conheça a investigadora principal por detrás do estudo na galeria.