Os animais de estimação são companheiros de todos os dias. São excelentes terapeutas, levam-nos a fazer mais exercício e estão sempre lá, à nossa espera, com a alegria doida de um cão aos saltos ou a satisfação mais contida de um gato quando chegamos a casa. São fiéis e dedicados. E também vulneráveis: dependem de nós para terem uma vida digna, com amor, cuidados, conforto e alimentação. O que leva, então, a que alguém os maltrate?
O que se passa na cabeça de uma pessoa para envenenar um animal, traindo-o quando tem fome, para o atirar ao lixo ainda vivo ou para o deixar preso a uma árvore, longe de tudo, é algo que tem vindo a ser estudado em profundidade – até porque esses traços indiciam personalidades que podem cometer outros tipos de crimes.
Mas como surgem estes comportamentos desviantes? São traços que vêm de nascença? Ou pode haver algo desencadeia a crueldade? O psicólogo forense Mauro Paulino explica à PiT.
“O comportamento violento é, para além de complexo, multicausal – ou seja, há um conjunto de fatores que podem contribuir para o mesmo. Se em alguns casos se destaca a existência de uma perturbação da personalidade, determinadas características na maneira de ser do sujeito, outros casos há em que dominam as distorções cognitivas que apoiam o uso da violência, por exemplo, associada à ideia descabida do controlo da natalidade dos animais, através de os afogar ou atirar para o lixo”, sublinha o profissional, que é coordenador da Mind | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
Por isso mesmo, esse comportamento pode perpetuar-se no seio de uma família. “Estas distorções cognitivas presentes em determinados meios podem, pela repetição, gerar uma habituação para com essa conduta criminosa que vai sendo repetida, por vezes, ao longo de gerações”.
Mas não só: “podem ter também como enquadramento características e traços de personalidade, como a ausência de empatia ou maiores níveis de agressividade que predispõem para a passagem ao ato”, aponta Mauro Paulino.
Noutros contextos, será que as pessoas que cometem este tipo de crimes não estão na posse de todas as suas faculdades mentais? Ou sabem perfeitamente o que estão a fazer? É perturbador, mas muitas vezes sabem, como explica o psicólogo: “Na grande maioria das vezes, quem comete crueldade contra animais está na posse de todas as suas faculdades mentais, não tendo que, para esses comportamentos, sofrer necessariamente de patologia mental – e, portanto, tem, então, noção do que está a fazer”.
E o que leva a que o façam? “O gatilho para a crueldade animal pode ser diverso, dependendo, inclusive, da fase da vida”, diz Mauro Paulino. “Por exemplo, na infância ou adolescência, como manifestação de um lar caótico ou com pais agressivos, em que os maus-tratos a animais podem vir na sequência de outros atos de desviantes, como vandalismo”, salienta. Este tipo de crueldade pode extravasar para outros quadros. “A investigação diz-nos que jovens que admitiram maltratar animais têm maior probabilidade de cometer atos violentos contra pessoas”.

“Outro gatilho pode ocorrer no âmbito de uma relação marcada por violência doméstica”, explica o psicólogo. “Os agressores de violência doméstica tendem a explorar o vínculo emocional que as vítimas têm com os seus animais de companhia como forma de ‘chantagear emocional’ e coagir as vítimas a permanecer em silêncio ou coagi-las a retornar ao relacionamento”.
No livro “Animais e Pessoas: Maus-tratos a animais, link para a violência contra pessoas e intervenção assistida”, do qual Mauro Paulino é coautor – a par com o provedor dos animais de Lisboa, Pedro Paiva, e a advogada Sandra Horta – é abordada, precisamente, a questão de a violência contra animais ter ligações a outras formas de violência contra pessoas, nomeadamente no seio familiar. E é uma tendência crescente? “É, antes de mais, uma relação entre comportamentos violentos que tem sido apontada pela investigação científica. Pessoas que maltratam animais tendem a ser violentas, inclusive com pessoas”, diz o psicólogo.
Por essa razão, “é essencial identificar, o quanto antes, as causas desse perfil, como uma forma de evitar que essas pessoas venham praticar crimes violentos. Ou seja, os maus-tratos contra animais devem ser vistos como um sinal de alerta, uma bandeira vermelha. Não é por acaso que a ficha de risco de violência doméstica, conhecida como RVD, que é obrigatoriamente aplicada pelas forças de segurança, em Portugal, abrange como fator de risco a violência contra animais”, explica.
Crianças e adolescentes podem mimetizar atos de maus-tratos, diz psicólogo
“Os maus-tratos a animais surgem como a ponta do iceberg, na sua relação com outros fenómenos de violência em geral, tais como violência doméstica, intergeracionaldiade familiar da violência e agressividade, delinquência juvenil, luta de cães, conforme tem vindo a ser demonstrado de forma consistente e sistemática na investigação internacional”, refere o profissional. “Com a agravante que as crianças e adolescentes expostos a esses atos de maus-tratos podem mimetizar comportamentos de violência contra pessoas e animais”.
Para Mauro Paulino, esta é uma realidade que não deve nem pode ser deixada em branco. “Talvez, quando a sociedade perceber que a brutalidade contra animais é também uma porta para o agressor contra humanos, preste mais atenção a esta realidade”, aponta o psicólogo.
Percorra a galeria e veja alguns dos benefícios de se ter um animal de companhia, que deve ser amado e respeitado como ser vivo que é. Eles também sentem dor.