“Os números da obesidade nos animais de companhia continuam a subir em paralelo com os das pessoas”. A declaração é de Mafalda Pires Gonçalves, fundadora do Programa de Perda e Controlo de Peso do Hospital Escolar da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. Numa entrevista ao jornal online especializado Veterinária Atual, a médica aponta o dedo aos tutores, mas também aos colegas, que acusa de não acharem “sexy” abordar o tema do peso a mais nas consultas de rotina.
“É com orgulho que observamos que cada vez mais pessoas têm animais de companhia e que a sociedade em geral tem apostado cada vez mais na defesa do seu bem-estar”, diz Mafalda, alertando para o facto do tutor, ao considerar um animal “como mais um membro da família”, promover, ainda que de forma inconsciente, “um certo antropomorfismo dos hábitos alimentares e de exercício físico”. “Havendo uma população cada vez mais sedentária, haverá, infelizmente, cada vez mais cães, gatos, coelhos e roedores que não gastam energia suficiente para as calorias ingeridas e assim surge o excesso de peso”, frisa.
Doenças que provocam obesidade à parte, Mafalda Pires Gonçalves quer contribuir para uma população de animais de estimação mais saudáveis. Como? Ensinando os tutores a alimentá-los de forma correta e mostrando aos seus pares que podem e devem fazer mais do que estão a fazer. “O sentimento que tenho é que o tema da obesidade não é sexy na classe médico-veterinária. Diria que para a maioria dos médicos veterinários é muito mais interessante recomendar técnicas avançadas de diagnóstico ou uma cirurgia, do que para o mesmo caso dar um passo atrás ou paralelo e iniciar a abordagem com a recomendação de alteração dos hábitos alimentares ou da prática de exercício físico”, lamenta.
Frisando que “a melhor alternativa” para dar alimentos adequados a um animal é sempre “aquela que melhor se adequa à sua história clínica” e ao “contexto ambiental e socioeconómico em que vive”, a médica acredita que todos precisam de ser mais “proativos na prevenção desta epidemia” e que “a prevenção da obesidade deve iniciar-se logo nos cuidados pediátricos, aquando da recomendação de cirurgias de castração/esterilização, em consultas de medicina interna e ortopedia/reabilitação”.
As raças com predisposição genética para a obesidade
Atualmente, estima-se que a obesidade afeta cerca de metade dos cães e gatos. Mafalda Pires Gonçalves não esquece as raças de cães com uma maior “predisposição genética” para acumular gordura, como elas os Labrador Retriever, Cocker Spaniel, Daschund, Pug, Golden Retriever ou o Beagle. “No caso dos gatos, são os cruzados os mais propensos à obesidade, tais como o europeu comum, o American ou o British Shorthair. Os gatos da raça Persa, Ragdoll, Maine Coon ou Sphynx também têm tendência para o excesso de peso”, enumera.
“Recentemente, foi descoberta na raça Labrador uma mutação no gene da Proopiomelanocortina (POMC) presente em cerca de 25% dos cães desta raça que pode justificar o seu comportamento de ‘devoradores insaciáveis de comida'”, conta ainda.
No programa de controlo de peso que criou há cerca de sete anos no Hospital Veterinário do Restelo, e que agora desenvolve no Hospital Escolar da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, a médica elabora planos a “médio prazo para perda do excesso de peso e manutenção do peso ideal”. Destes planos fazem parte as alterações de hábitos alimentares e introdução de exercício físico no quotidiano dos animais.
“Tenho a ambição de ser um elemento diferenciador para a mudança de paradigma na temática da obesidade em medicina veterinária”, termina Mafalda, que confessa ainda que “gostaria de conseguir criar um serviço de referência nesta área, com uma vertente prática e de investigação, como existe na Universidade de Liverpool, na Universidade de Ghent ou na Tufts University nos EUA”.