Em qualquer momento da nossa vida, precisamos de ajuda. Ajuda especializada que só um profissional pode dar. E se a isso aliarmos os animais? É precisamente isso que faz a Qura — Quinta de reabilitação de Albarraque, um projeto de iniciativa privada que visa dar resposta às necessidades a nível terapêutico convencional (psicologia, psicomotricidade) e complementar (intervenções assistidas por animais).
O projeto começou a ser idealizado muito cedo pela sua mentora e foi concretizado em 2012, estando assim no seu décimo ano de vida. E surgiu porque Inês Sousa, que é também psicóloga nesta equipa, sempre teve interesse nas terapias com animais. “Comecei com a equitação terapêutica, fiz estágio curricular numa associação hípica que funciona num centro hípico e aí surgiu o projeto como forma de nos diferenciarmos dos centros hípicos, criando um só espaço terapêutico”, conta à PiT. “É mais fácil em termos de articulação da equipa e também em termos de privacidade e tranquilidade dos clientes, o que num centro hípico não é tão fácil”.
Da restante equipa base fazem parte Joana Sousa, que é treinadora de cães e irmã de Inês, Sara Teixeira (psicomotricista) e Sónia Rosa (psicóloga).
Inicialmente, o foco era a terapia com cavalos — desde o nascimento da Qura que a égua Bolota faz parte da equipa —, e a psicoterapia assistida por cavalos, em que não há trabalho montado e são propostos objetivos às pessoas ou grupos. Depois, vieram os cães.
“Também começámos a ter formação em treino com cães e intervenções assistidas por animais. A minha irmã começou a organizar treinos e intervenções e fizemos uma parceria com uma entidade espanhola ao nível da formação, que é a El Racó de Milu”, explica Inês. “Sempre tivemos cães, mas foi aí que surgiu o interesse pela terapia assistida por cães e toda a equipa fez formação nessa área”.
Animal mediador
As intervenções assistidas por animais têm três áreas: terapias, atividades e educação assistida por animais. “Na Qura fazemos as terapias e as atividades assistidas por animais”, diz Inês, explicando no entanto que as atividades são mais pontuais. “São lúdicas e normalmente funcionam como consciencialização sobre como tratar os animais, por exemplo, e ocorrem em eventos, nas escolas, etc.”.
Quanto às terapias, sempre com fim terapêutico, “o animal funciona como mediador da relação entre o terapeuta e a pessoa que nos procura e é igualmente um elemento de motivação, pelo que isto também lhe atribui um carácter lúdico”, sublinha Inês.
E que espécie de problemas estão em causa quando alguém procura a Qura? “Procuram-nos para todo o tipo de problemáticas que possam precisar de intervenção,” explica Inês, acrescentando que “é um trabalho complementar às terapias convencionais, não as substituindo”.
Os elementos da Qura trabalham sobretudo com população sénior, deslocando-se aos lares e residências com os cães, tendo também já trabalhado numa instituição de adultos com dificuldade intelectual.
Fobias a animais
Além disso, também fazem atendimento individual, na área da clínica privada. “Aí temos desenvolvido muito trabalho relacionado com a ansiedade e a fobia a cães, em parceria com a clínica Daisen, em Lisboa. Há muitas crianças e jovens com esta fobia e, numa sociedade onde há cada vez mais animais de estimação, querer ir a casa de um amigo, a uma festa, e ter medo por haver cães é uma situação que lhes dificulta a vida social; autoexcluem-se”. “
Há um caso específico de uma menina que tinha fobia a cães e que, a seguir ao nosso trabalho, ela própria arranjou um cão e agora têm um cão de família”, conta Inês.
A equipa da Qura também é procurada para trabalhar, por exemplo, com crianças hiperativas, com autismo ou paralisia cerebral. Além disso, participou recentemente num estudo pioneiro em Portugal sobre o impacto da terapia assistida por animais (neste caso, cães) na redução da dor e sofrimento emocional em doentes oncológicos em ambulatório no Instituto Português de Oncologia de Lisboa. E a promissora conclusão foi a de que os níveis de perceção da dor diminuíam a seguir à intervenção dos animais da Qura.
E por falar nisso, quem é a equipa de quatro patas da Qura? Além da égua, há seis elementos caninos prontos a entrar em ação sempre que é preciso. A mais velha é a Molly, uma linda rafeira que veio de Espanha e que é “muito cão de colo”. Depois seguem-se o Jimi, um enérgico Labrador que veio dos Açores; o Cooper, cruzado de São Bernardo e Pastor Alemão, que é muito dócil e tranquilo (“o nosso urso de peluche”, diz Inês); a Pimenta, uma bonita e enérgica rafeira resgatada do canil dos Açores; a Paprika, uma Schnauzer miniatura muito dinâmica que Inês foi buscar para complementar o trabalho da Molly; e a Camila, que é a mais nova e é uma Pastor de Berna, sendo muito dinâmica e afável.
O Cooper e Camila têm até a sua própria página de Facebook. E centenas de fãs, claro está.
Em finais de 2019, a Qura tinha já um volume de trabalho considerável, mas com a Covid-19 parou tudo, já que este tipo de intervenção não resulta de forma virtual – só se for de forma pontual, pois é preciso o contacto com o animal. Mas, com a reabertura da economia, aos poucos foram retornando as sessões, que já estão quase ao nível da pré-pandemia. E a título individual é onde tem havido mais procura de momento.
Um caso que tocou Inês e toda a restante equipa foi o de uma senhora em fase terminal, que já não reagia a quaisquer estímulos. Levaram a Molly e colocaram a mão da senhora sobre o seu pelo e ela sorriu. “Foi muito interessante, não reagia a estímulos externos e de repente sorriu”, conta Inês. Na Qura, cada cão dá o seu contributo nas sessões, sendo escolhido o mais indicado para determinada pessoa ou grupo. Depois… depois é deixar-se levar junto de quem sabe. E confiar.
Percorra a galeria para conhecer um pouco mais sobre a Qura e a sua equipa humana, equina e canina.