Animais

Capicua: a cadela que é um exemplo de resistência e ainda espera um novo lar

Foi encontrada com sarna, febre do carrapato e leishmaniose. Hoje, está totalmente recuperada e só lhe falta uma família.
Está no Algarve.

Lembro-me, nos meus tempos de escola, de descobrir o significado da palavra Capicua. Fiquei fascinado em como seria possível um conjunto de letras ou algarismos cuja leitura é a mesma quer seja feita da esquerda para a direita ou vice-versa.

Hoje continuo a achar-lhe a mesma graça e encontro-lhe mais significado do que nunca. Curioso como, do nada, surgem estas curiosidades. No meio do nada foi onde foi também encontrada uma cadela que, possivelmente, também teria o mesmo significado para quem ali a deixou: nada.

Capicua foi o nome que o abrigo Animal Rescue Algarve que a resgatou lhe deu. O seu corpo não era mais do que um conjunto de ossos revestido por uma fina pele que a cor quase tinha abandonado. Nele vivia apenas sarna, febre do carrapato e leishmaniose sem qualquer tratamento. Os olhos pareciam ter ficado fixados no chão com medo de olhar para o que o mundo lhe apresentava tal era o medo que nela residia.

Quando a conheci, toquei-lhe de leve com medo que se partisse. Estava frágil, magoada, triste. Pegámos no seu corpo delicado para a colocar em cima da mesa e demos-lhe tempo para se acalmar. Afaguei-lhe o dorso e segredei-lhe que estava tudo bem. Ninguém lhe faria mal. Decorei-lhe o pescoço, suavemente, com um colar de flores para lhe dar um pouco de cor mas os olhos quase não me fixaram.

Aos poucos fomos tirando fotografias, oferecendo-lhe sorrisos que não obtiveram qualquer resposta, a não ser aquele olhar triste. Aos poucos, fomos ficando todos em silêncio para que não se assustasse. Vi-a sair pela porta e prometi-lhe que daria o meu melhor para que vissem aquela menina para além daquele pelo cinzento e olhares tristes. As fotos foram publicadas, recolheram comentários, partilhas e muitas mensagens de coragem. Infelizmente nenhuma família surgiu.

As semanas passaram e fui ajudando a partilhar as suas fotos da melhor forma que pude.

O antes e depois.

Quando regressei ao abrigo, para fotografar novamente, sorri na esperança de a ver. Cada vez que a porta abria, trazendo novos modelos, fiquei sempre na expectativa que ela viesse com o seu pelo cinzento para uma nova tentativa.

Quase no final do dia entrou pela porta uma menina parecida a ela mas exatamente o oposto: o pelo brilhava com um tom negro luzidio, os olhos imensos pareciam absorver tudo o que mirava e o seu corpo explodia energia, alegria e vontade de brincar. Lembrei-me da minha menina cinzenta e como me fazia lembrar tanto dela…

Esta não precisou de ajuda para saltar para a mesa. Assim que me aproximei, encheu-me de beijos e foi um desafio tentar mantê-la quieta. As poses saiam quase como se tivesse feito aquilo toda a sua vida… A sua energia e amabilidade eram contagiantes. Cada disparo do flash parecia embater naquele pelo luzidio e encher a sala de luz. Mais brilhante que isso só o brilho dos olhos e a alegria que emanava do seu corpo.

Quando terminámos, dei-lhe um abraço forte e fitei-a enquanto se encaminhava para a porta, abanando o corpo todo como se dançasse ao som de uma música que só ela conseguia ouvir.

— Que linda é esta menina. Fez-me lembrar a Capicua. Ela ainda está aqui no abrigo? — não resisti eu a perguntar.

O silêncio foi total. Os olhares incrédulos surgiram para lhe fazer companhia.

— Carlos… acabaste de a fotografar. Esta é a Capicua.

E era ela. Linda, recuperada e maravilhosa. Nunca tinha experienciado tão de perto todo o poder da cura com o amor a fluir-lhe em cada poro.  Eram duas cadelas totalmente diferentes. Era o antes e o depois. Era o amor, a bondade e o melhor que os seres humanos têm a trabalhar sem folgas para fazer regressar o brilho e vida que parecia ter desaparecido.

Não resisti em colocar cada uma das novas fotos ao lado das antigas para ver a diferença e era total. Era incrível. Era digno de se mostrar para inspirar outros a nunca desistir deles. Era maravilhoso e eu sentia-me grato por poder testemunhar esta transformação. A Capicua continua para adoção no abrigo do Animal Rescue Algarve mas renasceu.

Entendi então como o nome que lhe foi dado lhe assentava tão bem. Seja vista da esquerda para a direita, de cima para baixo, do passado para o presente, a Capicua será sempre vista e “lida” da mesma forma: um exemplo de força, resiliência e um coração pronto para ser feliz.

Caso tenha interesse na sua adoção, pode entrar em contacto com a associação através do Instagram e Facebook.

De seguida, carregue na galeria para ver o antes e o depois de Capicua.

AMIGOS PARA SEMPRE by Carlos Filipe é uma rubrica quinzenal da PiT, em que o fotógrafo Carlos Filipe, amante da causa animal, partilha com os nossos leitores o que viveu com os cães que fotografou e com quem privou. “Cães imperfeitos”, esquecidos pelo tempo e desprezados por quem quer adotar, por serem velhos ou doentes e exigirem cuidados.

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