Animais

Alegria passou a vida na rua. Encontrou uma família já velhinha

A patuda foi resgatada pela Animal Rescue Algarve, e adotada apesar do tumor e das crises de epilepsia.
Encontrou uma família.

O que vos quero contar aconteceu no passado mas vive no meu presente. É assim que as coisas funcionam quando nos ensinam verdadeiras lições de vida. Esta é uma das maiores que aprendi. Na minha cabeça viviam ideias daquelas que muitas pessoas têm em que depressa deitamos a toalha ao chão. Antes eu pensava assim: quando os animais são velhinhos talvez não consigam já sair dos abrigos e terminar os seus dias como merecem. Não era por pensar mal mas apenas por não entender que até ao fim da batalha não devemos descansar os braços. Dava depressa as batalhas como perdidas. Uma cadela mostrou-me que não era bem assim.

Tive o prazer, e sinto gratidão eterna por isso, de conhecer uma menina bem velhinha chamada Alegria. A sua história passou, como muitos, pela rua e foi nela que passou a maior parte da sua vida. Quando o seu corpo estava a atingir o limite foi resgatada pela equipa do Animal Rescue Algarve e os seus dias ao frio terminaram. Nunca mais sentiria fome nem frio. Não sei se conhecera o que era um carinho antes mas sei que, a partir daquele dia, nunca mais deixaria de os ter.

A Alegria trouxe no seu corpo, majestoso mas debilitado, muita força de viver mas também marcas do seu passado. No seu cérebro trazia alojado um tumor inoperável que lhe começara a marcar os dias que teria de vida quase como um relógio. No seu corpo residia uma epilepsia que a mergulhava em crises intensas deixando-a debilitada. No seu coração vivia amor. Vivia tanto amor que nunca recusava um carinho, nunca dizia que não a um afago e nunca perdia a oportunidade de sorrir.

A Alegria ficou, devido à sua condição, em família de acolhimento tendo experimentado, possivelmente, pela primeira vez o que seria dormir numa caminha fofinha e ter amigos. Nos tempos livres passeava com a sua família adoptiva na praia e conheceu um novo mundo. O seu destino parecia delineado, achava eu. Estivemos juntos várias vezes e sabia que, todos os dias, a sua saúde a deixava mais fraca. Precisava que me dissessem isso porque, ao olhar para ela, nada indicava isso.

Num momento de pausa sentei-me ao seu lado e desabafei com o meu amigo João, enquanto afagava o pelo da Alegria:

-Oh João! Esta menina nestas condições nunca irá encontrar uma família, pois não?

-Carlos… todos podem encontrar uma família. Não existem impossíveis. Se o tempo deixar e a vida não os levar todos poderão encontrar uma família. Mesmo no final de vida existem milagres porque um abrigo nunca será uma casa. O abrigo, Carlos, tem de ser sempre uma passagem do ponto onde foram encontrados para o seu final feliz. Todos poderão fazer isso.

Estas palavras ficaram gravadas na minha memória até hoje porque as replico em todas as minhas apresentações, conversas e desabafos porque foi das coisas que mais sentido fez.

As fotos da Alegria foram colocadas na internet decoradas com um texto a contar a sua história…

Os dias foram passando… fui acompanhando as suas aventuras até que um dia chegou a notícia que nunca imaginara:

Era um dia especial para um cão no abrigo pois chegara o dia da sua adopção. O casal chegara com tudo prontinho para o levar mas, de repente, o inesperado aconteceu:

-Queremos adotar também a Alegria.

As fotos, as palavras e a sorte estiveram do lado dela e, naquele dia, a Alegria encontrou a sua família.

A menina com um olho de cada cor encontrara o seu final feliz. Os seus últimos dias foram envoltos em amor e sei que, quando partiu, a sua família a cremou e espalhou as cinzas na praia onde costumava ir sempre passear.

Foi com ela que aprendi essa lição de que tudo é possível. Nunca devemos dar a batalha como perdida mesmo quando as probabilidades parecem estar contra nós, porque os milagres acontecem e a vida deve ser vivida assim: com esperança e muita alegria.

Carregue na galeria para conhecer Alegria.

AMIGOS PARA SEMPRE by Carlos Filipe é uma rubrica quinzenal da PiT, em que o fotógrafo Carlos Filipe, amante da causa animal, partilha com os nossos leitores o que viveu com os cães que fotografou e com quem privou. “Cães imperfeitos”, esquecidos pelo tempo e desprezados por quem quer adotar, por serem velhos ou doentes e exigirem cuidados.

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